Declaração do bloco cobra transparência das big techs sobre uso de conteúdo e defende que os dados devem ser tratados como uma nova forma de commodity.
Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro
A cúpula dos BRICS, que ocorre neste fim de semana no Rio de Janeiro sob a presidência brasileira, deve propor uma mudança radical nas regras que regem o uso de dados no cenário global, informa Andréia Sadi em seu blog no portal G1. De acordo com diplomatas envolvidos na elaboração do documento final, os países do bloco vão defender que os detentores de dados passem a ser tratados como agentes ativos e remunerados quando suas informações forem utilizadas para treinar sistemas de inteligência artificial (IA).

Com cerca de 40% da população mundial, os países do BRICS — agora expandidos para incluir nações como Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos — articulam um posicionamento comum que reconhece os dados como recursos estratégicos, comparáveis às especiarias nas grandes navegações ou ao petróleo e ao agronegócio nos tempos modernos.
O entendimento do grupo é de que os dados devem ser tratados como uma nova forma de commodity digital. A proposta prevê a criação de mecanismos internacionais que assegurem pagamentos justos aos países que geram os dados utilizados por sistemas de IA mantidos por grandes empresas de tecnologia, majoritariamente sediadas nos Estados Unidos e na Europa.
Mudança de paradigma e alerta sobre uso indevido
A minuta da declaração conjunta deve ainda exigir maior transparência na coleta, no uso e no treinamento de modelos de IA por parte das big techs, especialmente no que diz respeito à propriedade intelectual e aos direitos autorais.
O documento pedirá proteção adequada a conteúdos produzidos por indivíduos e organizações, alertando que, atualmente, não há clareza sobre os conjuntos de dados que alimentam os principais modelos de IA. O grupo defende que esse vazio regulatório permite que as plataformas se apropriem indevidamente de informações sem compensar seus criadores — o que contraria princípios de soberania digital e justiça econômica.
Segundo fontes do Itamaraty, há consenso já fechado entre os países membros sobre o conteúdo da declaração temática sobre IA, que será apresentada em separado do comunicado final, como forma de enfatizar o peso que o tema ganhou na agenda do bloco.
Temas prioritários: IA, meio ambiente e saúde
Além da pauta sobre inteligência artificial, outros dois temas devem ganhar destaque com declarações específicas durante o encontro no Rio: financiamento climático e erradicação de doenças da pobreza.
A agenda ambiental terá tom de prévia da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP 30), marcada para novembro em Belém, no Pará. O objetivo dos Brics é demonstrar engajamento e cobrar que países desenvolvidos cumpram suas promessas de repasse de recursos para financiar a adaptação e mitigação dos impactos da crise climática nos países em desenvolvimento.
No campo da saúde, a proposta é intensificar esforços conjuntos para enfrentar doenças negligenciadas, muitas delas ainda prevalentes nas regiões mais pobres dos países-membros.
Desafios diplomáticos e busca por consenso
Apesar do esforço para apresentar uma frente coesa, o bloco ainda enfrenta divergências em temas sensíveis. Um dos principais entraves pode reaparecer na tentativa de incluir o apoio explícito à ampliação do Conselho de Segurança da ONU. O Brasil, junto com Índia e África do Sul, pleiteia há anos uma cadeira permanente. No entanto, Egito e Etiópia, que também integram o bloco, resistem à menção direta, argumentando que a África ainda não definiu um consenso sobre quem deveria representá-la.
Outro ponto sensível na declaração final será o posicionamento sobre a guerra entre Israel e Irã, novo integrante do grupo. Enquanto Teerã deseja uma condenação firme aos ataques israelenses, outros países defendem uma linguagem mais moderada. O fim recente do conflito pode facilitar um consenso intermediário.
Diplomacia em movimento: bilaterais e ausências marcantes
Durante o encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve manter reuniões bilaterais com alguns chefes de Estado. Estão confirmadas agendas com o primeiro-ministro do Vietnã, Pham Minh Chinh, e com o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed. Na próxima terça-feira, Lula receberá com honras de visita de Estado o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em Brasília. No dia seguinte, será a vez do presidente da Indonésia, Prabowo Subianto.
Este último encontro ocorrerá em meio à repercussão da morte da brasileira Juliana Marins em um vulcão do país. Diplomatas brasileiros afirmam que, até o momento, as investigações apontam para negligência do parque e da empresa responsável pelo passeio. Ainda assim, destacam que as autoridades indonésias têm demonstrado sensibilidade ao caso e que o episódio não deve comprometer as relações entre os dois países.
Já a presença do presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, foi cancelada por conta das tensões na região do Oriente Médio.
A cúpula também será marcada por ausências notáveis. Vladimir Putin, presidente da Rússia, não virá ao Brasil por haver contra ele um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional, do qual o país é signatário. Já a ausência de Xi Jinping, presidente da China, causou desconforto, segundo fontes diplomáticas. Lula teria feito apelos pessoais para garantir a vinda do líder chinês, mas a visita foi cancelada. Xi Jinping não participará da cúpula dos Brics no Rio devido a um “conflito de agenda”, segundo a diplomacia chinesa. Será a primeira ausência dele em um encontro presencial do bloco desde que assumiu a liderança da China, em 2013. Analistas apontam que o presidente chinês está priorizando uma agenda interna complexa, incluindo questões econômicas — como queda do mercado imobiliário e desemprego entre jovens — e a organização do próximo plano quinquenal chinês. O premier Li Qiang representará a China no evento.
Rumo a uma nova ordem digital
A defesa da remuneração pelo uso de dados em sistemas de inteligência artificial marca um novo momento da agenda dos BRICS. Ao reivindicar soberania digital e retorno econômico por aquilo que seus cidadãos produzem em forma de dados, o bloco sinaliza que não aceitará mais o papel passivo diante do domínio das grandes empresas de tecnologia.
A iniciativa, ainda que simbólica neste estágio inicial, coloca os países em desenvolvimento no centro do debate global sobre governança digital, regulação da IA e divisão dos frutos da economia do conhecimento.