A onda de agressões começou depois que um idoso de 68 anos foi atacado por jovens, supostamente de origem norte-africana.
Por Redação, com RFI – de Madri
A cidade de Torre Pacheco, no sudeste da Espanha, tem enfrentado dias de violência e tensão, marcados por ataques coletivos contra imigrantes. Atos de teor racista e xenófobo, conhecidos como “caçadas aos imigrantes”, espalham medo entre os moradores do município, que tem cerca de 42 mil habitantes.

A onda de agressões começou depois que um idoso de 68 anos foi atacado por jovens, supostamente de origem norte-africana.
A cidade espanhola de Torre Pacheco vive dias de instabilidade e medo desde a última sexta-feira, com a ocorrência de numerosos atos de violência racista e xenófobos no município. As forças policiais estão mobilizadas para evitar confrontos e ataques, mas a sensação de parte da população é de que episódios de agressão e tumulto podem continuar tomando as ruas da região.
Uma convocatória que circula nas redes sociais reforça essa ideia. O comunicado chama a população para ir “à caça” de norte-africanos “delinquentes”. O texto convoca a sociedade espanhola a fazer uma patrulha por conta própria nas ruas da cidade nos dias 15, 16 e 17 de julho.
Os atos de violência começaram na última sexta-feira, mas para compreender a faísca que despertou a sucessão de episódios xenófobos é preciso voltar à quarta-feira passada, 9 de julho. Nesse dia, um senhor de 68 anos passeava por Torre Pacheco, por volta das 5h30, quando foi atacado por um indivíduo, supostamente acompanhado de mais dois homens. Apenas um dos envolvidos teria agredido o idoso, enquanto os outros dois, segundo a vítima, teriam filmado a cena para as redes sociais.
Imagens viralizaram
As imagens da agressão do idoso, com hematomas no rosto, viralizaram e foram exploradas nas redes sociais por grupos ultras organizados, formados inclusive por pessoas abertamente anti-imigração. Em muitos posts, há menção a uma “caçada” indiscriminada de imigrantes.
O caso incitou chamadas a ações contra estrangeiros de origem norte-africana, classificados como “delinquentes”. Antes mesmo dos dias 15, 16 e 17, propostos pela convocatória, muitos ataques já começaram, e o fim de semana foi marcado por violência na região.
Noites de terror
Foram registrados ataques a carros, ruas e estabelecimentos comerciais – como um restaurante de kebab, invadido e completamente destruído por um grupo encapuzado no domingo. Em San Antonio, bairro com alto índice de população imigrante, foram feitas inúmeras imagens de grupos de pessoas com os rostos cobertos, muitas delas armadas com bastões, causando desordem e incitando a violência.
Em alguns vídeos, moradores da região narram o que veem, se queixam das agressões e dizem escutar gritos de “Arriba España” (expressão que significa algo como “Viva a Espanha” e que tem conotação política no país, sendo relacionada ao regime franquista), “Viva Franco” (literalmente “Viva Franco”, uma referência ao ditador Francisco Franco) e “Fuera los moros” (“Fora, mouros”).
Muitas dessas imagens circulam pelas redes sociais. Se por um lado, elas servem para alertar a população, por outro, são usadas para convocar mais gente a participar dos atos. Até agora, 10 pessoas foram detidos, entre eles os três suspeitos de participar da agressão ao idoso.
Torre Pacheco tem quase 42 mil habitantes e, desses, mais de 11,9 mil são estrangeiros de fora da Europa, segundo os dados da prefeitura. Ao todo, 96 nacionalidades diferentes vivem no município – ainda de acordo com o governo local. Segundo a imprensa espanhola, moradores da cidade afirmam que os autores dos ataques não são seus “vizinhos” e que vêm de fora de Torre Pacheco.
Repercussão política
Um dos protagonistas políticos desta série de episódios recentes anti-imigrantes é Santiago Abascal, líder do Vox, partido espanhol de extrema direita. Ele culpa o que chama de “política imigracionista criminosa” do governo espanhol pelos incidentes violentos em Torre Pacheco.
Em declaração feita na última segunda-feira, Abascal afirmou que o ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, “está por trás dos estupros a mulheres espanholas, das facadas a espanhóis e da violência nas ruas contra os espanhóis”, referindo-se a crimes que supostamente seriam cometidos por imigrantes.
O líder de extrema direita responsabilizou o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e o Partido Popular (PP) por, durante décadas, atrair “imigração ilegal que traz aumento de violações e de criminalidade”. Sinalizando Torre Pacheco como “um exemplo” do que acontece em todo o país, ele afirmou que “isto já é uma autêntica praga”.
Abascal disse que seu partido vai seguir exigindo a deportação de todos que entram ilegalmente na Espanha e dos que, entrando legalmente, cometam crimes ou “imponham religiões extremas”. O líder do Vox evitou criticar diretamente os grupos radicais que estão convocando as “caçadas” a imigrantes.
Ele declarou que prefere a tensão social ao que chamou de “paz dos cemitérios” e disse que os espanhóis não podem permanecer calados diante da imigração ilegal, das violações e dos roubos – sem apresentar provas da relação entre a violência e as migrações em questão.
Antes mesmo da agressão ao idoso que provocou os incidentes seguintes de violência pelas ruas de Torre Pacheco, uma deputada do Vox, Rocío de Meer, já havia pedido a expulsão de “milhões de imigrantes” que não se adaptem à cultura espanhola, sem fazer a diferença entre imigrantes legais e ilegais, de primeira ou segunda geração.
Durante o fim de semana, o líder regional do Vox em Múrcia, José Ángel Antelo, esteve em Torre Pacheco em um ato intitulado “Defenda-se da insegurança”, reforçando o tom anti-imigração do partido. Ele já foi denunciado à Promotoria por suposto crime de ódio pelo PSOE de Múrcia, e o partido de esquerda Podemos anunciou que acionará judicialmente o partido de Santiago Abascal pelo mesmo motivo.
Governo espanhol condena o discurso de ódio
O ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, responsabilizou os discursos do partido de extrema direita Vox por fomentar a polarização. Ele declarou que essas narrativas simples e falsas colocam em risco a convivência social e reforçou que a imigração contribui para a economia e a diversidade espanhola.
Diante dos incidentes registrados nos últimos dias, Grande-Marlaska anunciou reforços na segurança. Além dos 90 guardas civis já mobilizados, segundo o ministro, 45 agentes de segurança serão enviados ainda nesta semana para Torre Pacheco.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, também se manifestou sobre o assunto. Em uma publicação no X, escreveu que “o racismo é incompatível com a democracia”. O premiê completou dizendo que “o que estamos vendo em Torre-Pacheco desafia a todos nós. Devemos levantar nossas vozes, agir com firmeza e defender os valores que nos unem. A Espanha é um país de direitos, não de ódio”.
Além disso, o perfil oficial do governo espanhol publicou um vídeo no qual busca conscientizar a cidadania contra a violência. “Os discursos de ódio ameaçam a convivência e corroem os valores democráticos”, diz a legenda da publicação.