Como potência global em fase declinante, os Estados Unidos representam hoje um risco crescente à paz mundial, o que, infelizmente, obriga aqueles países que eles veem como desafiantes a se armarem minimamente a fim dissuadi-los de os atacarem diretamente.
Por Luis Antônio Paulino – de São Paulo
Ocorreu em novembro o primeiro encontro pessoal entre o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, depois que foi eleito, e o presidente da China, Xi Jinping, à margem da cúpula do G20, em Bali, na Indonésia.Exportação de chips
Ameaça à segurança
A respeito disso, vejamos o que disse o escritor Thomas Fazi, autor do livro Reclaiming the State: “O aspecto mais terrível de tudo isso é que não há nada inevitável em uma guerra EUA-China. Se a China representasse uma ameaça à segurança para a sobrevivência dos Estados Unidos, esse poderia ser o caso. Mas isso não acontece. O problema com a China, como enfatizou a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA recentemente lançada, é ela ser o único concorrente dos EUA com “a intenção e, cada vez mais, capacidade de remodelar a ordem internacional em favor de uma que incline o campo de jogo global para seu benefício”, o equivalente a dizer que os EUA devem ter como objetivo “superar a competição” da China. A mais recente Estratégia de Defesa Nacional do Pentágono também conclui que a China “continua sendo nosso concorrente estratégico de maior importância nas próximas décadas”, devido ao seu “esforço coercitivo e cada vez mais agressivo para remodelar a região do Indo-Pacífico e o sistema internacional para atender aos seus interesses e preferências autoritárias”. Em outras palavras, a China não é uma ameaça porque mina os interesses de segurança dos EUA, mas porque vai querer moldar, e de fato já está moldando, a ordem política e econômica global de uma maneira que sirva a seus próprios interesses, e não apenas aos dos EUA e outras nações ocidentais, como tem acontecido desde a Segunda Guerra Mundial. A ameaça real, então, não é para a América, mas para as ambições unipolaristas hegemônicas da América e aqueles que se beneficiam disso. Reconhecer isso não é ser “anti-China” ou “pró-China” – é aceitar que uma ordem mundial pacífica depende de nossa capacidade, como ocidentais, de admitir uma distribuição mais equitativa dos recursos globais e de tolerar diferentes culturas nacionais, arranjos e práticas institucionais, mesmo que os achemos desagradáveis”. Passaram-se 30 anos desde o fim da URSS e do campo socialista, quando os Estados Unidos assumiram por um breve período a condição de potência unipolar. Depois disso, o mundo mudou muito, tanto pela queda relativa da importância dos Estados Unidos, quanto pela simétrica ascensão de novos atores na cena internacional, entre eles a China, mas não apenas ela. Os Estados Unidos não admitem, entretanto, esse novo mundo multipolar e tornam-se cada dia mais agressivos na medida em que pressentem que o resto do mundo já não está disposto a acatar suas ordens sem contestação, como fazia há 30 anos. Os Estados Unidos sequer se dão conta de que muitas das medidas que estão tomando se voltarão contra eles próprios, uma vez que grande parte de seu próprio avanço econômico nesses últimos 30 anos dependeu do aprofundamento do processo de globalização econômica, que não apenas criou novos mercados para suas empresas como também propiciou uma nova divisão internacional do trabalho que lhes foi imensamente favorável, ao lhes garantir as partes mais lucrativas das cadeias globais de valor, transferindo para outros países, nomeadamente a China, aquelas atividades geradoras de menor valor agregado que poderiam ser executadas fora dos Estados Unidos por uma pequena fração do seu custo em território americano. Conforme observou o Financial Times (7/11): “A empresa de tecnologia mais lucrativa que opera na China não é uma gigante doméstica da Internet, como Alibaba ou Tencent, mas a Apple, com sede na Califórnia. Seus negócios na China cresceram tão rapidamente durante a pandemia que agora geram mais lucro do que a receita combinada das duas maiores empresas de tecnologia do país, de acordo com uma análise do Financial Times. A dependência da Apple no país como sua base de fabricação, com responsabilidade por 95% da produção do iPhone, de acordo com o Counterpoint, um grupo de inteligência de mercado, deixa o negócio vulnerável a choques na cadeia de suprimentos (…). No entanto, quando se trata de vender seus dispositivos para consumidores chineses, os negócios dispararam. Os lucros operacionais na grande China, que inclui Hong Kong, Macau, Taiwan e China continental, dispararam de 104% em 24 meses, para US$ 31,2 bilhões no ano fiscal encerrado em setembro, superando os US$ 15,2 bilhões ganhos pela Tencent e os US$ 13,5 bilhões do Alibaba em seu período de 12 meses mais recente, de acordo com a S&P Global Market Intelligence”.Paz mundial
Como potência global em fase declinante, os Estados Unidos representam hoje um risco crescente à paz mundial, o que, infelizmente, obriga aqueles países que eles veem como desafiantes a se armarem minimamente a fim dissuadi-los de os atacarem diretamente. Por isso, os Estados Unidos optaram por fazer a guerra por outros meios, usando o dólar como arma de guerra e recorrendo às sanções econômicas. A respeito disso, Edward Luce, comentarista do Financial Times (19/10), assim se expressou: “Imagine que uma superpotência declarou guerra a uma grande potência e ninguém percebeu. Joe Biden lançou este mês uma guerra econômica total contra a China – quase comprometendo os EUA a impedir sua ascensão – e os americanos, na sua maior parte, não se deram conta. Com certeza, há a guerra da Rússia contra a Ucrânia e a inflação interna para chamar a atenção. Mas é provável que a história registre a jogada de Biden como o momento em que a rivalidade EUA-China saiu do armário. A América agora está empenhada em fazer tudo, exceto lutar uma guerra real, para impedir a ascensão da China”Luis Antônio Paulino, é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diretor do Instituto Confúcio na Unesp, pesquisador do Instituto de Estudos de América Latina da Universidade de Hubei, China e colaborador do portal Bonifácio.
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