Nos últimos meses, temos utilizado este espaço para discutir as independências, pois, afinal, estamos em ano de bicentenário. A tônica tem sido a exortação para, nas palavras de Airton Krenak, adiar o fim do mundo.
Por Luciano Mendes de Faria Filho – de Brasília
“Quando o último rio secar, a última árvore for cortada e o último peixe pescado, eles vão entender que dinheiro não se come”.
(Carta do Cacique Seattle ao presidente dos Estados Unidos, em 1855)
Não existe capitalismo sustentável
O certo é que, mais do que nunca, sabemos que "desenvolvimento sustentável" no âmbito do capitalismo não passa de mera ideologia, no sentido marxiano do termo. O capitalismo não é sustentável justamente porque a única lógica que segue é a da acumulação e, portanto, da produção incessante das desigualdades e das mortes. No entanto, antes de acabar com o capitalismo, e antes que ele acabe com as populações humanas e não humanas do planeta, é preciso colocar algum freio. E o único freio que entendem é o bolso. Então, qualquer ação para ser efetiva tem que trazer ameaça globalizada ao lucro. É aí que a porca torce o rabo, se ela o tiver. Lembremos que as maiores empresas que atuam política e operacionalmente na destruição do Brasil não são controladas por aqui e, portanto, enriquecem sobretudo a estrangeiros (e, certamente, a alguns poucos prepostos brasileiros). Ao mesmo tempo, o Brasil é um país tão distante e confundível com tantos outros da América Latina e com a “África” (é impressionante como a representação do continente ainda se faz como se fosse um país só). Somos parte dos “outros”, os párias da terra. Haverá como convencer à população, e não apenas às/aos ativistas, dos Estados Unidos, do Japão e de boa parte da União Europeia de que a sorte deles/as está umbilicalmente atrelada à nossa? Haverá como convencê-la de que são suas as empresas e seus os Estados que apoiam a destruição da nossa morada comum que é o planeta?Últimas trincheiras
A experiência do golpe de 2016 e a eleição de 2018 deveriam já ter nos mostrado que as grandes potências “acreditam” na democracia e na autonomia dos países até o justo momento em que veem seus interesses ameaçados ou, o que dá quase no mesmo, até o momento em que avaliam que pode haver ganhos maiores com ditadores e genocidas no poder. Logo, a única/última esperança é que as nossas populações acordem da letargia a que fomos induzidos pela captura dos nossos afetos e a substituição de nossos projetos de autonomia e bem viver pelo “desejo” do consumo. A assertiva segundo a qual devemos pensar globalmente e agir localmente não é um desafio apenas para as populações humanas ameaçadas; mas quase sempre parece que assim o é, e que o restante fica pensando que vai se "salvar dessa". Ainda que o boicote aos produtos e, portanto, um evitamento ao consumo, mesmo que seja ação quase vã contra o extermínio imediato, pareça a única coisa que pode frear o ritmo da destruição, ele não nos retira do rumo da destruição. “Não se sai de árvore por meio de árvore”, é um lindo livro da Paula Vaz, publicado pela editora Cas’a em 2014. E o título me inspira a dizer que não se sai do capitalismo por meio de capitalismo, ou seja, não sairemos do rumo da destruição utilizando simplesmente as plataformas que nos conformam e nos confortam em nossos umbigos ou mudando o consumo que nos entope de objetos fetiches de que não precisamos. Ao fim e ao cabo, quando tudo parece nos conduzir para o desastre anunciado, para retardar o fim do mundo só nos restam, como últimas trincheiras, a política, a palavra, o amor e as artes. Mas serão essas suficientes? Os acontecimentos recentes no Brasil parecem indicar, infelizmente, que não.Luciano Mendes de Faria Filho, é professor da UFMG e integrante do Portal do Bicentenário.
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