Rio de Janeiro, 30 de Agosto de 2025

Mesmo com restrições, CACs ainda têm 1,5 milhão de armas

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Terça, 29 de Julho de 2025 às 14:21, por: CdB

Ministério da Justiça recuou em alguns focos, mas governo mantém diretriz de restringir armas e combate lobby da bancada da bala.

Por Redação, com Agenda do Poder – de Brasília

A política de desarmamento, uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve avanços significativos desde o início do governo em 2023, mas também enfrentou entraves técnicos, resistências políticas e mudanças de foco dentro do próprio Ministério da Justiça, informa reportagem do portal UOL. A transferência do controle de armas de fogo dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) do Exército para a Polícia Federal marcou uma das principais etapas da nova diretriz.

Mesmo com restrições, CACs ainda têm 1,5 milhão de armas | Governo reduz arsenal, mas CACs mantêm 1,5 milhão de armas
Governo reduz arsenal, mas CACs mantêm 1,5 milhão de armas

Logo no primeiro dia de governo, Lula iniciou o chamado “revogaço” — um pacote de medidas para restringir o acesso a armas. Entre as ações estavam a suspensão da aquisição de armamentos de uso restrito por CACs, a limitação no número de armas e munições permitidas, o congelamento de novos registros de clubes de tiro e a revalidação do Estatuto do Desarmamento. Um grupo de trabalho foi criado com a missão de regulamentar as medidas em 60 dias.

Na época, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, colocou a pauta como prioridade número um da pasta. Ele chegou a prometer o confisco de armas não recadastradas até 3 de maio de 2023. “O Brasil vivia um período de armamentismo disfarçado de CAC”, declarou Dino. O recadastramento foi realizado ainda no primeiro semestre daquele ano, obrigando proprietários de armas adquiridas a partir de 2019 a reapresentar seus dados e acervos.

Mudança de comando e entraves na transição

Com a saída de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2024, Ricardo Lewandowski assumiu o Ministério da Justiça herdando a política de controle de armas em processo de estruturação. A Polícia Federal, que deveria assumir integralmente o controle dos CACs em 1º de janeiro de 2025, só conseguiu concluir essa transição em julho, atrasando a fiscalização e criando um período de limbo regulatório.

Durante esse intervalo, a fiscalização foi praticamente inexistente, o que facilitou o desaparecimento de armas de uso restrito. No total, 6.168 armamentos, incluindo fuzis, não foram reapresentados ao sistema oficial. Segundo autoridades, essas armas podem ter sido desviadas para o crime organizado, como o tráfico de drogas e as milícias.

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União revelou falhas graves na gestão anterior: o Exército havia autorizado a posse de armas por mais de 5 mil pessoas condenadas por crimes como tráfico e roubo.

Para reforçar a nova estrutura, o Ministério da Justiça liberou R$ 20 milhões à Polícia Federal em maio. Atualmente, 600 servidores passaram por treinamento específico para a tarefa. A corporação criou núcleos de fiscalização em todas as capitais e nas cidades com delegacias próprias. “Já foram contratadas as empresas terceirizadas que atuarão no suporte ao registro e à fiscalização”, afirmou a PF em nota. A meta é concluir a análise de novos pedidos de registro em até 11 dias.

Mudança de foco e pressão no Congresso

Embora a política de desarmamento tenha saído do centro da pauta pública, ela não foi abandonada. Ricardo Lewandowski direcionou o foco do ministério para a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. O texto busca integrar o sistema de segurança nacional, estabelecer diretrizes mínimas para os estados e unificar os fundos Nacional de Segurança Pública e Penitenciário.

A PEC já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e passará a ser discutida por uma comissão especial em agosto. No entanto, enfrenta resistência tanto da chamada bancada da bala quanto de governadores alinhados ao bolsonarismo. Sem maioria no Congresso, o governo Lula deve enfrentar dificuldades para garantir a aprovação do texto ainda este ano.

Pressão armamentista e ofensiva legislativa

Enquanto o governo busca restringir o acesso a armas, a bancada armamentista no Congresso atua em sentido oposto. Um grupo de 23 deputados ligados ao movimento Proarmas integra a já influente bancada da bala. Eles defendem projetos que afrouxam o controle, facilitam o porte mesmo para condenados, anistiam irregularidades e desmontam partes do Estatuto do Desarmamento.

Em 2024, o Senado acelerou a tramitação de uma proposta que visa reverter trechos do decreto de Lula, retirando restrições para colecionadores e atiradores profissionais. Outro revés para o governo foi a exclusão de armas e munições do chamado “imposto do pecado” durante a votação da reforma tributária — decisão que impediu o aumento de impostos sobre esses itens.

Resistências e disputas narrativas

A deputada Júlia Zanatta (PL-SC), uma das vozes mais ativas da bancada armamentista, tem feito críticas constantes às restrições impostas pelo governo. Ela questiona, por exemplo, a exigência de transporte de fuzis e rifles desmontados até os clubes de tiro. “Se criminosos descobrem que uma pessoa carrega armas desmontadas, podem montar emboscadas para roubar o armamento”, alertou.

Zanatta também critica a redução do número de armas por cidadão — de quatro para duas — e a limitação de munições, que caiu de 200 para 50 unidades. As armas de calibre 9 milímetros, liberadas sob o governo Bolsonaro, voltaram a ser restritas. Para obter porte ou posse, o cidadão agora precisa comprovar “efetiva necessidade”, o que elimina a autorização presumida que vigorava anteriormente.

Opinião pública apoia controle

Apesar da pressão política, a maioria da população brasileira continua contrária à flexibilização do acesso a armas. De acordo com pesquisa Ipsos-Ipec divulgada neste mês, 54% dos entrevistados se disseram contra facilitar a compra e o porte de armamentos — índice que se mantém estável desde 2023.

Enquanto o debate segue acalorado no Congresso, o governo tenta consolidar os avanços administrativos e resistir ao retrocesso legislativo. A transferência da fiscalização à Polícia Federal marca um novo capítulo na política de armas do país, que, mesmo fora dos holofotes, segue sendo peça central na estratégia de segurança pública do governo Lula.

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