Rio de Janeiro, 03 de Setembro de 2025

Especialistas apontam risco de gentrificação com leilões no Centro do Rio

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Quinta, 17 de Julho de 2025 às 11:47, por: CdB

Iniciativa oferece até R$ 3.212 por metro quadrado restaurado, mas exclui diretrizes para habitação social.

Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro

Em mais uma tentativa de revitalizar a área central do Rio de Janeiro, a Prefeitura lançou na quarta-feira o programa Reviver Centro Patrimônio Pró-Apac, voltado à requalificação de imóveis abandonados ou degradados em áreas tombadas e de valor histórico. Publicada no Diário Oficial, a medida declara como de utilidade pública 16 imóveis localizados no Largo de São Francisco e em ruas adjacentes, hoje ocupados, em sua maioria, por estacionamentos. Após a desapropriação, os imóveis serão leiloados, e os novos donos deverão restaurá-los com apoio financeiro da prefeitura. Entretanto, especialistas consultados por reportagem do diário conservador carioca O Globo apontam para risco de gentrificação, já que o plano exclui diretrizes para habitação social.

Especialistas apontam risco de gentrificação com leilões no Centro do Rio | Casarão desabado no Centro do Rio: Prefeitura publica hoje o programa Reviver Centro Patrimônio Pró-Apac, com regras e incentivos à recuperação de imóveis históricos hoje abandonados
Casarão desabado no Centro do Rio: Prefeitura publica hoje o programa Reviver Centro Patrimônio Pró-Apac, com regras e incentivos à recuperação de imóveis históricos hoje abandonados

Como vai funcionar

Segundo o plano, os arrematantes dos imóveis receberão incentivos de até R$ 3.212 por metro quadrado restaurado. O investimento inicial previsto é de aproximadamente R$ 11 milhões. Em contrapartida, terão liberdade para escolher a função do imóvel, seja comercial ou residencial, respeitando as diretrizes do patrimônio histórico, já que muitos prédios possuem algum grau de tombamento.

O secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Osmar Lima, responsável pelo projeto em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento, explicou que os atuais proprietários serão indenizados com o valor obtido nos leilões.

— Não estamos limitando nem obrigando qualquer tipo de função. Mas os arrematantes que destinarem os imóveis para habitação ganharão o potencial de construir em outras áreas da cidade. Com relação às reformas, como a maioria dos imóveis desapropriados tem algum grau de tombamento, isso deve ser respeitado nas obras — destaca. Os próximos passos incluem um conjunto de atos burocráticos internos da prefeitura, como análise mais aprofundada dos imóveis e definição de seu valor de mercado, para a publicação do edital de leilão.

Área histórica e em transformação

Dos 16 imóveis contemplados inicialmente, quatro estão localizados no Largo de São Francisco de Paula, ao lado da igreja homônima e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs), da UFRJ. Outros nove ficam na Rua do Teatro, e três, na Sete de Setembro. O edital com as regras para os leilões está previsto para este ano.

A região é uma das mais antigas e simbólicas da cidade, já tendo sido palco de comícios históricos em defesa do Abolicionismo e da República. Muitos dos imóveis hoje abandonados já abrigaram comércios icônicos.

— O número 9 da Rua do Teatro já abrigou a famosa perfumaria Silva. Já o 25 do Largo São Francisco já foi a Casa Colibri, também muito conhecida. Inicialmente, ela vendia animais. Quando o mundo se modernizou, virou uma petshop, até que fechou — relata Cláudio Castro, diretor da Sérgio Castro Imóveis.

Especialistas veem risco de gentrificação

Embora o programa seja bem recebido por quem defende a recuperação do patrimônio urbano e o repovoamento do Centro, urbanistas e arquitetos apontam falhas graves na proposta. A principal delas é a ausência de mecanismos que garantam o uso habitacional voltado às camadas populares.

— O decreto está centrado num modelo de desapropriação por interesse público e leilão. É voltado para o mercado — afirma Noêmia Barradas, coordenadora da Comissão de Patrimônio do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ). Uma lacuna na proposta, por exemplo, é não fixar diretrizes de uso habitacional, especialmente de habitação de interesse social. E, como não cria instrumentos que garantam a inclusão de moradias populares nesses imóveis reabilitados, o programa corre o risco de promover um processo de gentrificação, ou seja, de expulsão de pessoas que historicamente ocupam a área central.

O arquiteto e urbanista Luiz Fernando Janot, professor da UFRJ, também reforça a importância de pensar na ocupação do Centro além da recuperação estética dos imóveis.

— Quando não há gente morando e trabalhando e os prédios estão vazios, o comércio vai para o brejo. Os incentivos são fundamentais para reverter esse processo. No Centro, é preciso dar incentivo; e não só para recuperar, mas para ocupar também, seja como residência ou comércio.

Parte do Reviver Centro

O Pró-Apac é uma nova etapa do programa Reviver Centro, em vigor desde 2021, baseado no novo Plano Diretor da cidade. A política urbana prioriza a função social da propriedade, a diversidade de usos e a preservação do patrimônio cultural. A expectativa é que novos imóveis sejam incluídos no programa futuramente.

Apesar das boas intenções e do potencial de revitalização, o sucesso do projeto dependerá da capacidade do poder público de equilibrar estímulo ao investimento privado com a inclusão social. Sem isso, o risco é que o Centro, em vez de renascer para todos, se torne um novo enclave elitizado, afastando os antigos moradores em nome do progresso.

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