Apesar do impacto imediato do tarifaço dos EUA, o Brasil amplia parceiros comerciais, mantém superávit e aposta em produtividade para reduzir vulnerabilidades.
Por Abraham B. Sicsú – de Brasília
Os dados são conhecidos. À Agência Brasil publicou em detalhes em 4 de setembro último. Não há grandes novidades no que vou dizer, mas faço questão de ressaltar. O que chama a atenção é como são divulgados os resultados. Ou melhor, o que deles é realmente publicizado. Refiro-me ao tarifaço e a seus impactos na balança comercial brasileira.

Em 9 de julho de 2025, Trump enviou uma carta ao presidente Lula informando sobre as tarifas de 50% para produtos brasileiros a partir de agosto.
Uma medida que não tinha nenhuma justificativa econômica ou comercial, com uma nítida conotação política. Uma medida que poderia afetar em muito a economia brasileira e que exigia estratégia para enfrentá-la.
Um estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) previa uma catástrofe, uma queda de mais de 26 bilhões no PIB brasileiro em dois anos e uma perda de quase 150 mil postos de trabalho, além de uma redução de cerca de 3 bilhões na renda das famílias.
Não se nega que tenha, como vem tendo, impactos relevantes na nossa economia, mas medidas começaram a ser tomadas.
Em primeiro lugar a busca por novos parceiros comerciais é aprofundada. Depender de poucos mercados nos fragiliza. Os Estados Unidos é o segundo parceiro comercial brasileiro. Em alguns setores tem importância decisiva. Na indústria manufatureira, a nossa competitividade é abalada pela baixa produtividade de muitos produtos que para lá enviamos e um impacto desse tamanho nos preços quase nos inviabiliza. Também, em alguns produtos agrícolas ou agroindustriais, nosso principal mercado externo é a América do Norte, e se viram fortemente afetados.
Um segundo ponto que se tornou claro é a necessidade de aumento da nossa produtividade para competir nesses novos mercados. Estratégias de médio e longo prazo começam a ser esboçadas e aprofundadas pelas empresas para melhor se posicionarem. Seja na digitalização e automação de seus processos, seja nas parcerias e joint ventures com fornecedores de tecnologia de ponta.
Tarifaço
Um terceiro ponto, evidente, foi a aceleração da antecipação das entregas já contratadas para julho. Tinha-se um mês para fugir do Tarifaço. Muitos fizeram com bons resultados.
Por fim, esforços deram resultados na articulação, com o setor empresarial estadunidense, quando da criação de uma lista de exceções, definida pelo governo americano, que não foram inseridas na tarifa de 50%, como aeronaves, suco de laranja, combustíveis, alguns tipos de metais e madeiras, e muitos outros. Quase 700 produtos estão nessa lista e pagam uma tarifa de apenas 10%.
Saem os primeiros resultados, do primeiro mês de vigor do imposto escorchante, agosto.
A mídia se atém quase que exclusivamente ao resultado com os Estados Unidos, mesmo assim, focando apenas um aspecto, a queda de 18,5% no volume das exportações.
Numa análise mais aprofundada, observa-se que não houve exportação de minério de ferro, verdade. Além disso, também houve forte queda na venda de aeronaves (84,9%), que já conseguiu um acordo na lista de exceções, açúcar (88,4%), grande impacto para o Nordeste, motores e máquinas elétricas (60,9%), que afeta fortemente o Sul do país.
Esquece-se de ressaltar que muitas dessas vendas foram antecipadas no mês anterior. Em julho tivemos um crescimento das exportações para os Estados Unidos de pouco mais de 7%.
Pouco se falou de um fato altamente positivo para a economia brasileira. Tivemos um superávit de mais de US$ 6,1 bilhões no mês, com exportações de US$ 29,9 bilhões e importações de US$ 23, 7 bilhões. Notem, as exportações de agosto cresceram 4% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo que agropecuária cresceu mais de 8% e na indústria extrativa, mais de 11%. Tivemos sim uma queda pequena na indústria de transformação de menos de 1%.
Outro dado interessante do levantamento feito pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – MDIC foi a diversificação do destino de nossas exportações. Houve um crescimento expressivo para outros países, 11% para o Reino Unido, 44% para o México, 40% para a Argentina, 31% para China e 58% para a Índia. Vai se configurando um novo perfil de países parceiros que diminui nossa vulnerabilidade a medidas tresloucadas que podem ser tomadas contra o multilateralismo e o comércio internacional. O bloco dos BRICS passa a ter um papel focal.
Com esses dados, ainda muito preliminares, pode-se questionar se a catástrofe será descomunal.
Se consolidarmos novos parceiros estratégicos com alianças de médio e longo prazo, se formos abertos a parcerias tecnológicas nacionais e internacionais que aumentem muito nossa produtividade, se consolidarmos uma estratégia de comércio internacional como um dos mecanismos de sustentação de nosso desenvolvimento, o resultado pode ser bem diferente do que vem sendo desenhado.
O Tarifaço pode até se tornar num fator importante para alavancarmos a economia brasileira. Evidentemente que estamos passando por uma fase conjuntural delicada, mas nada que não possa ser superado e dele tirar vantagens efetivas. Parece ser o quadro que se desenha.
Abraham B. Sicsú, é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco).
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil