Rio de Janeiro, 27 de Julho de 2025

Baleados em festa junina não tinham envolvimento com tráfico, diz polícia

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Segunda, 09 de Junho de 2025 às 10:45, por: CdB

A morte de Herus provocou protestos no fim de semana no Catete e em frente ao Morro Santo Amaro. Amigos e familiares levantaram cartazes pedindo justiça.

Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro

O que seria uma noite de festa acabou em tragédia no Morro Santo Amaro, no Catete, Zona Sul do Rio. Na madrugada do último sábado, uma operação do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) interrompeu uma festa junina na comunidade. Durante a ação, Herus Guimarães Mendes, de 24 anos, foi morto com um tiro de fuzil no abdômen. Outras cinco pessoas foram baleadas; uma delas permanecia internada até a noite de domingo no Hospital Municipal Souza Aguiar. De acordo com a Polícia Civil, nenhuma das vítimas tinha ligação com o tráfico de drogas. A informação é do diário conservador carioca O Globo.

Baleados em festa junina não tinham envolvimento com tráfico, diz polícia | Protesto contra a morte de Herus Guimarães no Morro do Santo Amaro, no Catete
Protesto contra a morte de Herus Guimarães no Morro do Santo Amaro, no Catete

Herus era flamenguista, trabalhava como office boy em uma imobiliária e era pai de um menino de dois anos. Ele assistia às apresentações de quadrilhas ao lado da família e de outros moradores, num evento que reunia convidados de diversos bairros. O tiroteio, porém, transformou a celebração em pânico e dor.

Diante da repercussão do caso, o governador Cláudio Castro determinou o afastamento do comandante do Bope, coronel Aristheu Lopes, do chefe do Comando de Operações Especiais (COE), coronel André Luiz de Souza Batista, e de outros 12 policiais que participaram da incursão.

— Vou ter que deixar meu filho aqui. Tiraram a vida dele. Ninguém vai dizer que meu filho era traficante. Não deixaram a gente socorrer ele. Ficaram rindo, debochando enquanto ele estava caído no chão. Meu filho foi arrastado, está todo arranhado. Não vou mais ouvir a voz dele, não vou mais receber uma mensagem. Ele não deveria estar aqui. Isso não é justo — disse, chorando, Mônica Guimarães, mãe de Herus, durante o sepultamento no Cemitério São João Batista, em Botafogo.

Em nota, o governador Castro manifestou solidariedade às famílias das vítimas. “Sei que palavras não vão trazer ninguém de volta e nem diminuir a dor de se perder um ente querido, mas fica aqui a minha tristeza e indignação”, declarou. Ele também prometeu investigações “com extremo rigor e agilidade”, além de compartilhar com o Ministério Público todas as imagens registradas pelas câmeras corporais dos agentes envolvidos.

Perícia e novas investigações

A Polícia Civil recolheu as armas dos policiais para perícia e realizou uma reconstituição do crime com uso de scanner 3D, tecnologia que permite mapear detalhes do local e traçar trajetórias dos disparos. O Ministério Público do Rio iniciou uma apuração paralela, segundo informou o procurador-geral de Justiça, Antonio José Campos Moreira, reiterando o papel da instituição no controle externo da atividade policial.

O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública classificou o episódio como “triste e inaceitável”. A Secretaria de Polícia Militar, por sua vez, alegou que a operação foi deflagrada após informações sobre um possível confronto entre facções na região. Ainda segundo a corporação, os policiais teriam sido recebidos a tiros e só reagiram mais adiante, quando o grupo se deslocava para outro ponto do morro.

Herus chegou a ser socorrido ao Hospital Glória D’Or, mas não resistiu.

Dor, protestos e indignação

A morte de Herus provocou protestos no fim de semana no Catete e em frente ao Morro Santo Amaro. Amigos e familiares levantaram cartazes pedindo justiça e relembraram a história do jovem trabalhador, que havia concluído o ensino médio e era muito presente na vida do filho pequeno. Durante uma manifestação, um homem passou de carro e disparou dois tiros para o alto, assustando os presentes.

— Herus cresceu com a gente. Estudamos juntos, fizemos o programa jovem aprendiz. Sempre correu atrás, era um pai presente, trabalhador. Uma mãe, uma esposa, um filho, todo mundo ficou. Mais um cidadão que se vai. Dói o que aconteceu. Dói muito. E só gente pobre e o favelado que pagam essa conta. A nossa festa existe há mais de 40 anos. Fica a pergunta: até quando isso vai acontecer? — questionou Isabele Lopes, amiga da vítima.

A mãe de Herus também reagiu à nota oficial do governador.

— Para mim, ele não está dizendo nada, absolutamente nada. Desde o momento em que ele assinou um decreto autorizando operação nas comunidades a hora que quiser, a hora que bem entender, a situação ficou pior. Então, diz para ele que aqui está o resultado da assinatura dele. Diz para ele que eu estou aqui.

O pai de Herus, Fernando Guimarães, afirmou que a família espera mais do que palavras.

— Não queremos só uma nota de pesar. Queremos saber quem autorizou, por que estavam lá, quem atirou. Hoje é o meu filho, mas também teve outro menino baleado, lá de São Gonçalo. Ele tem 16 anos. Não se esqueçam dele também. Foram várias vítimas — disse.

Clamor por justiça

Durante o enterro, o subtenente do Corpo de Bombeiros Luciano dos Santos, primo da vítima, fez um discurso contundente em defesa de punições aos envolvidos.

— Mais uma vez, o choro de uma mãe; não é demagogia. Excelentíssimo senhor governador do Estado do Rio, o que aconteceu lá na comunidade onde eu sou nascido e criado foi o erro de uma tropa. Se fosse eu, como militar, seria punido — declarou. Se lá tem tráfico, onde não tem tráfico no Rio? O meu primo tinha uma CLT, tinha um lugar onde ele ganhava o seu pão dignamente. Nós somos a voz de muitos outros favelados. Os policiais do Bope puderam abraçar seus filhos quando chegaram em casa, a minha prima não. Ela está enterrando seu filho.

A tragédia reacende o debate sobre o uso da força policial em comunidades e a frequência com que operações terminam com vítimas inocentes. A comunidade do Santo Amaro, conhecida por não ter tráfico ostensivo, agora carrega o luto e a indignação de mais uma morte que clama por respostas.

 

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