Segundo o documento, a estrutura da autarquia foi usada até para espionar ilegalmente o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel.
Por Redação – de Brasília
O relatório de mais de mil páginas encaminhado pela Polícia Federal (PF) ao Supremo Tribunal Federal revela que a chamada ‘Abin paralela’, estrutura clandestina montada dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), assumiu praticamente o controle dos atos que contribuíram para o golpe de Estado frustrado em 8 de Janeiro de 2022.

Segundo o documento, a estrutura da autarquia foi usada até para espionar ilegalmente o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel. O relatório final do inquérito aponta, ainda, que a ação foi coordenada diretamente pelo então diretor-geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem, com fins estritamente políticos e em benefício do grupo ligado ao ex-mandatário neofascista Jair Bolsonaro (PL).
A PF descobriu, ainda, que a Abin recrutou uma ‘fonte humana’ vinculada ao escritório político do PSC, partido ao qual Witzel era filiado, com o objetivo de monitorar de forma clandestina o ex-governador e seus aliados. A espionagem ilegal também teve como alvo o então procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem.
Opositores
Anotações apreendidas pela Polícia Federal e atribuídas a Ramagem indicam que a infiltração tinha por finalidade acompanhar os passos de opositores e abastecer o núcleo político bolsonarista com informações sigilosas.
“O colaborador teria sido recrutado para fins políticos com o objetivo de monitorar de forma clandestina opositores como Witzel e Gussem junto ao grupo político vinculado ao Presidente da República”, informa o relatório da PF. Em troca, o informante foi recompensado com um cargo público: assessor técnico do Gabinete Regional da Presidência da República no Rio, nomeado em 17 de março de 2020, recebendo cerca de R$ 10 mil mensais.
O caso, no entendimento da PF, é emblemático do uso indevido da estrutura do Estado para fins eleitorais e de perseguição política. A atuação da Abin, segundo o relatório, “configura o uso indevido da máquina estatal, com infiltração deliberada em partidos adversários sob pagamento com cargo público — sem qualquer finalidade institucional”.
Subordinados
A situação de descontrole e desvio de finalidade da Abin, conforme revelam as investigações da PF, eram tamanhas que, nas trocas de mensagens e em depoimento registrado no inquérito da chamada ‘Abin paralela’ o coordenador-geral de operações da agência, em 2022, chegou a montar um grupo com subordinados na tentativa de “virar a eleição” em favor de Bolsonaro.
Em mensagens obtidas pela PF, um servidor da Abin relata a um colega que o coordenador Alan Oleskovicz teria convocado três subordinados para uma reunião em que “ficou elucubrando uma operação ‘que poderia virar a eleição’”. A troca de mensagens ocorreu em 3 de agosto de 2022, dois meses antes do primeiro turno das eleições gerais, quando Bolsonaro aparecia com 29% das intenções de voto, contra 47% do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de intenção de voto.
Oleskovicz foi indiciado por peculato e prevaricação no relatório de investigação da PF. A defesa do suspeito não se pronunciou sobre os fatos expostos, até agora.