Mais que um rompimento pessoal, o embate entre Trump e Musk revela estratégias rivais para dominar o Estado e ampliar o alcance do imperialismo contemporâneo.
Por Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe) – de Brasília
O recente rompimento público entre Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, e Elon Musk, magnata da tecnologia, revela muito mais do que um simples desentendimento pessoal. Por trás do aparente choque de personalidades, está uma disputa de fundo que expõe a face de dois atores centrais do imperialismo contemporâneo, cujo objetivo comum é a busca incessante pelo lucro e pela expansão de seus próprios interesses, custe o que custar. Essa rivalidade, portanto, não é ideológica, mas sim uma disputa pelo melhor modo de garantir vantagens dentro de um sistema que privilegia o poder e a concentração econômica.

Tanto um quanto o outro operam dentro de um mesmo modelo: a exploração das estruturas do Estado e dos mercados globais para maximizar ganhos pessoais e corporativos. O primeiro, com seu estilo autoritário e populista, usou a máquina do Estado para fortalecer seu grupo político e ampliar sua fortuna, sem qualquer preocupação real com algo ou alguém. O segundo, embora se apresente como um empreendedor visionário e disruptivo; baseia sua fortuna em estratégias que exploram jornadas trabalhistas precarizadas; incentivos fiscais extremos e uma relação ambígua com os poderes públicos, tudo para ampliar sua influência em setores econômicos estratégicos.
A divergência entre eles, portanto, não está na essência de seus objetivos, mas na forma como cada um entende que deve ser conduzida essa apropriação do Estado e do capital. Trump aposta na concentração do poder político com viés autocrático e autoritário, enquanto Musk aposta na inovação tecnológica e no controle das cadeias produtivas globais para consolidar sua posição hegemônica no setor. Ambos, no entanto, são protagonistas do mesmo jogo imperialista, onde o lucro privado justifica a exploração e a desigualdade.
Um exemplo claro dessa disputa está no setor espacial e tecnológico. A SpaceX, do sul-africano, não é apenas uma empresa privada de exploração espacial: é um braço da política externa estadunidense, que visa manter a sua hegemonia no domínio tecnológico e geopolítico. O presidente, por sua vez, ao criar a Força Espacial e adotar políticas protecionistas, busca garantir que os recursos e tecnologias estratégicas permaneçam sob seu controle direto, com benefícios apenas para seus aliados econômicos e políticos.
O conflito
O conflito também se manifesta na disputa sobre a regulação ambiental e as políticas industriais. Trump rejeitou acordos multilaterais e desmontou regulações ambientais para favorecer setores tradicionais, enquanto Musk, embora fale em energia limpa, utiliza subsídios e políticas estatais para ampliar seus lucros com a Tesla e outras empresas. Essa relação simbiótica com o Estado revela que o discurso de sustentabilidade e inovação muitas vezes é apenas um disfarce para a perpetuação de privilégios (quase sempre é).
Ambos, portanto, compartilham uma visão de mundo que legitima o uso do poder para fins privados, são faces da mesma moeda: imperialistas que instrumentalizam o Estado e as instituições para garantir monopólios e vantagem competitiva, sem compromisso real com a democracia ou justiça social. Essa briga de bastidores, muitas vezes mascarada por disputas públicas e retóricas diferentes, é na verdade um duelo por espaço e influência dentro do mesmo sistema predatório.
No plano interno, essa disputa influencia diretamente na política do país, que oscila entre medidas autoritárias e o domínio de grandes conglomerados econômicos. A interferência das corporações nas decisões públicas, e a utilização do Estado como ferramenta para interesses privados, aprofundam a crise do regime político dos EUA e agravam as desigualdades sociais. O protagonismo de figuras abjetas como essas duas, exemplifica a simbiose perversa entre capital e poder.
No âmbito internacional, a disputa entre esses dois atores simboliza os métodos e estratégias concorrentes do imperialismo estadunidense para manter sua supremacia. Seja pela força bruta e nacionalismo exacerbado de Trump, ou pela inovação tecnológica e expansão econômica global de Musk, o objetivo é o mesmo: garantir controle e lucro a qualquer custo, com impactos diretos sobre países dependentes, economias periféricas e o equilíbrio global.
Essa rivalidade, portanto, não representa uma alternativa política saudável nem uma disputa legítima entre modelos, mas um embate de interesses oligárquicos, que reproduzem um sistema mundial baseado na concentração de riqueza e no autoritarismo. A polarização midiática entre “populismo autoritário” e “inovação tecnológica” esconde essa verdade: Ambos são parceiros inconscientes na manutenção do status quo imperialista.
É fundamental, assim, desconstruir qualquer narrativa que pretenda apresentar Musk como um salvador da inovação ou Trump como um defensor da soberania popular. Ambos são agentes de um sistema que utiliza o Estado para fins pessoais e corporativos, legitimando práticas autoritárias e excludentes. Sua disputa expõe as contradições do capitalismo contemporâneo, onde o poder econômico e político se entrelaçam para garantir a acumulação ilimitada.
Crítica ao autoritarismo
A crítica ao autoritarismo e à privatização do poder não deve ser seletiva. Enquanto o presidente dos EUA aposta na militarização e no controle estatal autoritário, o mega empresário emprega seu poder para influenciar políticas públicas e moldar setores estratégicos, muitas vezes sem transparência e controle social. Os dois atuam para concentrar poder e enriquecer suas próprias redes de influência, sem nenhum tipo de preocupação social.
Essa dinâmica não é apenas um problema norte-americano; é uma questão global, pois as decisões dessas figuras reverberam nas relações internacionais, nas políticas ambientais e nas estruturas econômicas mundiais. O modelo de desenvolvimento que privilegia lucros privados em detrimento dos direitos coletivos e da sustentabilidade tende a agravar crises sociais, ambientais e políticas em escala planetária.
Portanto, mais do que um simples rompimento pessoal, a briga entre essas duas figuras é a manifestação de um conflito interno no imperialismo, uma disputa entre duas estratégias para garantir privilégios e lucros dentro de um sistema que explora as instituições e a sociedade. Reconhecer essa realidade é fundamental para avançar na construção de alternativas que rompam com o ciclo autoritário e excludente que eles representam.
Em última análise, a disputa entre Trump e Musk reafirma que o problema central não é apenas quem detém o poder, mas como esse poder é utilizado para perpetuar um modelo dominante. A transformação desse cenário exige um olhar crítico e engajado contra qualquer forma de autoritarismo e concentração econômica, visando construir uma sociedade mais democrática, justa e sustentável.
Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe), é biólogo, Geógrafo, Professor, Dr. em Ciências Naturais e Docente do IFMG.
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