A repressão com spray de pimenta contra professores em greve no Distrito Federal, durante manifestação pacífica em frente à Secretaria de Educação, reacende o debate sobre a seletividade no uso da força policial. O contraste com o tratamento dado aos golpistas de 8 de janeiro de 2023 revela a disparidade na atuação das forças de segurança diante de diferentes grupos sociais.
Por Vitoria Carvalho, da sucursal de Brasília
A cena é emblemática e perturbadora: professores da rede pública do Distrito Federal, em greve por reajuste salarial e valorização da carreira, sendo dispersados com spray de pimenta por policiais militares em frente à Secretaria de Educação. O registro, feito pelos próprios servidores, mostra uma servidora sendo atingida no rosto após se recusar a soltar uma porta de acesso ao prédio. A ação, classificada pela PMDF como necessária para garantir a “ordem pública”, levanta uma pergunta desconfortável, mas necessária: por que, no ataque golpista de 8 de janeiro de 2023, o tratamento foi tão diferente?
Enquanto os professores e trabalhadores da educação, desarmados e em mobilização pacífica foram recebidos com truculência, manifestantes envolvidos na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes foram, em grande parte, tratados com condescendência. Não houve spray de pimenta em massa, nem reação preventiva à altura do que se viu no começo da semana. O contraste escancara a seletividade no uso da força policial e desafia a narrativa oficial sobre segurança e democracia.

Versão da polícia
A manifestação dos professores teve início com uma assembleia no gramado do Eixo Monumental. Após a deliberação pela continuidade da greve, iniciada no começo do mês, os trabalhadores seguiram em marcha até a sede da Secretaria de Educação, localizada no shopping ID. A repressão da PM se deu na tentativa de barrar o acesso ao prédio. Segundo nota oficial, os agentes agiram diante da “resistência” dos manifestantes.
O episódio gerou repúdio e notas de esclarecimento. O shopping justificou a ação policial com base no “prejuízo ao funcionamento regular das atividades”. A Secretaria de Educação, por sua vez, demonstrou “surpresa” com a manutenção da greve e reiterou que o diálogo estava em andamento. Mas o que mais surpreende é a escalada repressiva contra uma categoria que historicamente luta por valorização e que, nesta greve, enfrenta cortes de ponto, multas diárias de até R$ 300 mil ao sindicato e a rejeição explícita do governo local em negociar qualquer reajuste para 2025.
Do ponto de vista jurídico, o movimento foi considerado ilegal pelo Tribunal de Justiça do DF, decisão que teve parte revertida pelo Supremo Tribunal Federal, que suspendeu a multa milionária, mas manteve o corte de ponto. Mesmo com parte das escolas ainda funcionando de forma parcial, a greve tem sofrido forte pressão institucional, política e agora, policial.
Tratamento diferenciado
Esse cenário levanta reflexões cruciais sobre o papel das forças de segurança e o direito à manifestação. Por que, quando são professores que ocupam um espaço público para exigir melhores condições de trabalho e educação, a resposta é violência? E por que, diante de um ataque coordenado contra a democracia brasileira, as forças de segurança falharam em conter os responsáveis com a mesma contundência?
O episódio vivido pelos professores do DF não é apenas mais uma repressão a uma categoria em luta. É um retrato de um país onde o tratamento dado aos manifestantes depende do interesse político envolvido. E onde trabalhadores da educação, ao invés de serem ouvidos, são silenciados à força. Isso é inaceitável e precisa ser dito.