Relatório aponta negligência no atendimento de saúde e condições degradantes após transferência de mais de mil detentos para a unidade.
Por Redação, com Agenda do Poder – de São Paulo
A morte de ao menos cinco estrangeiros detidos no Centro de Detenção Provisória (CDP) 1 de Guarulhos, na Grande São Paulo, acendeu o alerta sobre as condições de custódia de imigrantes no Estado. Em uma inspeção realizada em 15 de agosto, a Defensoria Pública paulista (DPE-SP) constatou desabastecimento de medicamentos, insuficiência de água quente, falta de cobertores, colchões e roupas adequadas para o inverno, além de registros de problemas respiratórios, psiquiátricos e cardíacos entre os presos.

O quadro foi classificado como “extremamente grave” pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária (Nesc) da DPE-SP, informa Metrópoles.
Prontuários médicos incompletos e interrupção de tratamentos
Há relatos de pelo menos cinco óbitos desde junho — quatro dentro do CDP e um quinto confirmado pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Três vítimas foram identificadas: Willy Renfijo Ajata, Yahya Saidi Abdallah e Carlos Patricio Ramirez Avendan; outras duas não tiveram os nomes divulgados.
Em ofício encaminhado ao juiz corregedor da Vara de Execução Penal do TJSP em 25 de agosto, defensores do Nesc apontam que a interrupção de tratamentos contínuos, como para hipertensão e HIV, decorreu da transferência de presos sem seus prontuários médicos completos.
Transferência repentina e impacto nas rotinas
Até junho, imigrantes eram levados para a Penitenciária de Itaí, no interior. O ofício da Defensoria informa que 1.050 pessoas foram deslocadas “de forma repentina” para Guarulhos, enquanto a antiga população do CDP foi redistribuída em outras unidades.
Segundo a SAP, a mudança buscou “simplificar o acesso a serviços oferecidos pelos consulados que representam os países de origem dos custodiados”. Na prática, porém, a Defensoria relata que o CDP não estava preparado para absorver a demanda: em diversas celas, havia apenas 10 a 12 colchões para 17 presos, forçando parte deles a dormir no chão ou sobre o concreto dos beliches, sem isolamento térmico.
A ausência de água quente e a escassez de cobertores e roupas de frio, “inclusive para idosos”, teria agravado a vulnerabilidade de saúde durante as baixas temperaturas do período.
Medicação, dieta e assistência: o que diz o governo
Em nota enviada ao Metrópoles, a SAP afirma ter instaurado procedimento investigatório para apurar as mortes e as falhas relatadas. A pasta informa que o CDP 1 de Guarulhos dispõe de dois médicos (clínico-geral e psiquiatra) e cinco enfermeiros.
Segundo o governo, “na entrevista de entrada na unidade, a equipe de saúde faz uma avaliação e depois a prescrição do medicamento. Os novos custodiados que necessitam de tratamento contínuo e controlado já estão recebendo suas medicações, adquiridas entre julho e agosto”.
A SAP acrescenta que monitora necessidades de dietas específicas “por motivos de saúde ou religiosos” e que 95 presos recebem alimentação diferenciada. Alega ainda distribuição semanal de itens de higiene e limpeza, entrega recente de novos colchões, além de cobertores e moletons “em dias mais frios”, com reforço dos kits nesta semana.
Laudos confirmarão causas das mortes
Sobre os cinco óbitos, a SAP diz que os custodiados “foram atendidos pela equipe de saúde da unidade prisional e encaminhados ao hospital municipal” de referência, onde morreram. Segundo a pasta, além dos sintomas apresentados, “os cinco tinham comorbidades”. A administração afirma aguardar laudos oficiais que indicarão as causas das mortes.
Barreiras de comunicação e o peso do CPF
A Defensoria também registra dificuldades de ingresso de visitantes por problemas de cadastro, o que bloqueia a entrega de itens básicos pelas famílias. O cenário é agravado pelo fato de muitos migrantes não terem parentes no Brasil nem advogado constituído.
Reportagem do Metrópoles de dezembro de 2024 já mostrava que estrangeiros em Itaí passavam até cinco anos sem falar com a família por causa de uma exigência da SAP: para enviar e-mails aos presos, o familiar precisa ter CPF — documento de emissão exclusiva no Brasil. A regra, na prática, exclui parentes que vivem no exterior e não têm o registro brasileiro.
O que dizem a Constituição e a Lei de Execução Penal
O artigo 5º da Constituição assegura aos presos respeito à integridade física e moral, impondo ao Estado a obrigação de garantir condições mínimas de dignidade, saúde e bem-estar. A Lei de Execução Penal, em seus artigos 10 e 14, determina assistência à saúde “de forma contínua e adequada”, incluindo atendimento médico, farmacêutico e odontológico; já o artigo 12 impõe o fornecimento de vestuário, alimentação e condições apropriadas de alojamento.
Para os integrantes do Nesc, quando o Estado assume a custódia, assume também o dever de prevenir riscos previsíveis — como exposição ao frio e interrupção de tratamentos — e a omissão reiterada configura violação grave de direitos fundamentais, exigindo resposta imediata do Judiciário.
Próximos passos
Com a instauração de investigação administrativa pela SAP e os laudos médicos ainda pendentes, o caso entra no radar de órgãos de controle e do sistema de Justiça.
A Defensoria pede providências urgentes para a recomposição de estoques de medicamentos, regularização de banhos quentes, entrega de cobertores e colchões em número suficiente, revisão dos cadastros de visita e criação de canais efetivos para contato com familiares no exterior — medidas que podem reduzir riscos sanitários no curto prazo enquanto se apuram responsabilidades pelas mortes.