À primeira vista, na esquerda falecem mais os guerreiros porque são pessoas sensíveis à dor social da tragédia sob o governo Bolsonaro. Mas consideremos: se as desgraças são razões de matar, mais ainda são razões de viver.
Por Urariano Mota – de São Paulo
Em apenas dois dias, as mortes do sindicalista Wagner Gomes, do jornalista Duarte Pereira, dos atores Paulo José e Tarcísio Meira deixaram no espírito da gente esta pergunta: por que tantas mortes do nosso lado? E mais: com tanta gente boa de morrer do outro lado, com tanta gente do lado de lá que merece um descanso, nos perguntamos: seríamos mais vulneráveis que a direita e a extrema direita? Até parece.Coronavírus
Então pesquiso nos óbitos e descubro que têm ido para o céu figuras como Levy Fidelix, Silvio Antônio Fávero (PSL), que morreu de coronavírus, enquanto compartilhava em suas redes diversas frases do presidente em Brasília. E Stanley Gusman, apresentador de TV, aos 49 anos, que negava a pandemia. E José Roberto Martins Feltrin, do Partido Podemos, que aos 55 anos arrependido enviou um áudio a amigo relatando os momentos difíceis que estava passando em decorrência das complicações causadas pela covid-19. E se a minha pesquisa de falecimentos de bolsonaristas não vai mais longe, é por uma razão simples, histórica, que nem mesmo o poder dos fascistas transforma. Quero dizer: os intelectuais, os artistas, os cientistas, os músicos, mestres e compositores maiores e mais brilhantes estão no campo da esquerda. Há muito tem sido assim. Para felicidade geral continua, continuará. E não preciso nem pesquisar para ver as pessoas dos cientistas Mario Schenberg, Leite Lopes, dos educadores Paulo Freire e Anísio Teixeira, do grande Josué de Castro, dos escritores Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, João Cabral, Solano Trindade “tem gente com fome, tem gente com fome”. E os compositores Dorival Caymmi, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Vinícius de Moraes, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Tom Jobim e João do Vale carcará, pega, mata e come. Então isso quer dizer: a direita é medíocre, sem brilho, o que não é o mesmo que ser estúpida, como um certo preconceito de esquerda pensava. A direita é esperta. O que ela não tem é escrúpulo, nenhum. É desonesta e bandida. Quer o poder com golpes, roubos e crimes, não importa. Daí que sua projeção social, sua ascendência artística, científica se dá fora da melhor humanidade. Daí que são apagados numa vil tristeza. Então, suas mortes não aparecem para todos. Lá entre eles fazem suas missas e registram para si, sem ressonância no mundo pelo qual vale a pena estar presente. Não aparecem. Imaginem que grande notícia: nesta data, morreu fulano, empresário que participava de motociatas. Morreu sicrano, que negava a vacina. Por isso avultam para nós os grandes, José Carlos Ruy, Wagner Gomes, Duarte Pereira, João Gilberto, Aldir Blanc, Paulo José, Tarcísio Meira. O resto é silêncio.Urariano Mota, é Jornalista do Recife. Autor dos romances Soledad no Recife, O filho renegado de Deus e A mais longa duração da juventude.
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