Não é difícil localizar o bolsonarismo como uma contraofensiva à ascensão de classe das minorias identitárias a partir da implantação de políticas públicas pensadas para combater, também, desigualdades de gênero e raça.
Por Carolina Mello - de Brasília
Há um senso comum na política que imputa a derrota das esquerdas diante da ascensão de governos de extrema-direita no mundo a um suposto afastamento da agenda trabalhista para dar atenção aos direitos de pessoas lgbtq+, negros e mulheres.Movimentos sociais
Estamos falando de conquistas obtidas a partir da contribuição dos movimentos sociais na construção de políticas públicas e que visam, mais do que a tutela do Estado para a resolução de problemas pontuais, uma mudança sociocultural para a emancipação dos corpos inferiorizados numa sociedade heteropatriarcal e branca. É importante ressaltar que a contraofensiva neofascista empreendida pelo bolsonarismo no Brasil, pelo trumpismo nos Estados Unidos e por outros líderes de extrema-direita ao redor do mundo, encontra na agenda conservadora uma importante aliada. O conservadorismo é fiador da propaganda lgbtqfóbica e transfóbica que criou histórias como o “Kit gay” e outras fake news pensadas para associar políticas de ações afirmativas a uma fantasiosa cultura de pedofilia que ameaça a infância e ataca os valores da família. Segundo a teórica argentina Verónica Gago, é uma característica do neofascismo a construção de um inimigo “interno”, identificado naqueles que historicamente foram considerados estrangeiros do espaço público, justamente, as minorias identitárias que lutam por liberdade e denunciam as opressões como parte das engrenagens do capitalismo. Encerro esse texto com uma anedota, na tentativa de ser mais didática, sobre as relações entre neoliberalismo, conservadorismo e neofascismo. Começa assim: o conservador e o neofascista entram em um bar. E o neoliberal, onde está?, você se pergunta. Simples: o neoliberal patrocina o encontro, serve a bebida e lucra com a embriaguez de todos. Em outras palavras, o bolsonarismo é a esquina onde o neofascismo, o conservadorismo e o neoliberalismo se encontram. Para combatê-lo, é imprescindível o debate plural, ao mesmo tempo antineoliberal, antirracista e antipatriarcal, uma vez que foi construído a partir de uma gama distinta de afetos emergentes das mais variadas fissuras sociais.Carolina Mello, é jornalista pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), interessada em política, feminismo, literatura e cinema. Email: carolinagracamello@gmail.com Twitter: @mellocomdoisele
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