Documento dá 60 dias para planejamento e reforça direito à moradia diante de proposta que autoriza alienação de 48 áreas públicas.
Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o governo do Rio de Janeiro priorize a regularização fundiária dos imóveis públicos estaduais atualmente ocupados em vez de autorizar sua venda.

A medida foi tomada em parceria com a Defensoria Pública do Estado e tem como base o Projeto de Lei Complementar 40-2025, enviado pelo Executivo à Assembleia Legislativa (Alerj), que pede autorização para a alienação de 48 imóveis.
De acordo com o documento, o estado tem 60 dias para elaborar um planejamento que contemple a regularização das áreas ocupadas. O MPF lembra que o direito à moradia é assegurado pela Constituição e por tratados internacionais, devendo ser absolutamente priorizado pelo poder público.
O órgão também reforça o princípio da função social da propriedade e a diretriz “moradia em primeiro lugar”, que trata a habitação como condição essencial para o exercício de outros direitos.
O procurador regional dos Direitos do Cidadão, Julio Araujo, destacou que a solução não pode ser pautada apenas pela venda: “A lógica que deve permear a solução do conflito não pode ser pautada pela colocação à venda, mas, sim, pela priorização da regularização e submissão a projetos estaduais e federais”.
O documento foi encaminhado ao governador Cláudio Castro, à Secretaria de Estado de Habitação, à presidência da Alerj e à Casa Civil. O Executivo terá 10 dias para se manifestar.
Imóveis já ocupados como moradia
O diagnóstico da áreas foi feito pelo Grupo de Trabalho Moradia Adequada, conduzido pelo MPF, em parceria com o Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria, que identificou ao menos sete imóveis ocupados que atualmente servem de moradia. Entre eles estão:
Rua Azeredo Coutinho, 24 a 36 – Centro
Praça Tiradentes, 31 – Centro
Rua da Constituição, 23/25 – Centro
Travessa Mosqueira, 4 – Lapa
Travessa do Mosqueira, 6 – Lapa
Travessa Mosqueira, 10 – Lapa
Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso, 521 – Barra da Tijuca (Ilha Jacira)
Além desses, o projeto do governo lista outros espaços de relevância pública e cultural, como o estádio Caio Martins, em Niterói; o Batalhão de Polícia Militar do Leblon; a Escola de Música Villa-Lobos; e as sedes de organizações sociais, como Tortura Nunca Mais, Arco-Íris e Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio (Faferj).
Protesto em frente à Alerj
Na quarta-feira, movimentos sociais e entidades sindicais realizaram uma manifestação em frente à Alerj contra a proposta do governo. Os grupos destacaram que muitos dos imóveis têm função social e atendem comunidades em situação de vulnerabilidade.
Entre eles está a ocupação Almerinda Gama, organizada pelo Movimento de Mulheres Olga Benário, que já prestou assistência jurídica e psicológica a mais de 200 mulheres vítimas de violência.
– O nosso prédio estava abandonado há mais de oito anos aqui na rua da Carioca e a gente começou a fazer esse trabalho de atendimento e abrigamento de mulheres vítimas de violência. Tentamos dialogar com o Governo do Estado desde que entramos no prédio – afirmou Gabriela Gonçalves, da coordenação nacional do movimento.
Também estiveram no local os deputados Professor Josemar, Flávio Serafini e Ranata Souza, do Psol; Verônica Lima e Marina do MST (PT).
Críticas acadêmicas ao projeto
A professora Fernanda Maria Vieira, do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFRJ, avaliou que a proposta de venda afronta princípios constitucionais e tratados internacionais. Para ela, o texto ignora a necessidade de políticas públicas que garantam dignidade.
– No direito fundamental eu tenho moradia, habitação, saneamento, eu tenho uma série de políticas que têm que ser concretizadas para garantir essa dignidade. Então o PL também afeta essa noção de dignidade humana e o direito à moradia – destacou.
O ato foi convocado por entidades como o Movimento Unido dos Camelôs (MUCA), o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), a Central de Movimentos Populares (CMP), a União por Moradia Popular e a Associação de Moradores e Amigos do Horto (AMAHOR).
Próximos passos
Na quarta-feira, o texto teve a constitucionalidade assegurada pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa (Alerj), que vai intensificar o debate sobre a proposta do Executivo.
Um grupo de trabalho criado pela CCJ apresentará um relatório detalhado sobre a real situação dos imóveis, que será fundamental para a decisão dos parlamentares nas próximas etapas de tramitação do projeto.
A Agenda do Poder acionou a Secretaria de Estado da Casa Civil e aguarda um posicionamento do governo. Assim que a informação for passada o texto da reportagem será atualizado.