Rio de Janeiro, 04 de Setembro de 2025

O julgamento de Bolsonaro é uma aula para o Brasil

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Quinta, 04 de Setembro de 2025 às 12:03, por: CdB

STF inicia julgamento histórico de Jair Bolsonaro, que simboliza a condenação de um projeto autoritário e antieducação, ameaçador da democracia e da soberania nacional.

Por Rosana Alves – de São Paulo

O julgamento de Jair Bolsonaro, começando no dia 2 de setembro no Supremo Tribunal Federal, marca um instante histórico na política brasileira. Nunca um ex-presidente foi processado por maquinar um golpe de Estado contra as instituições democráticas, antes. Só este acontecimento tem um valor simbólico forte: pela primeira vez, a extrema direita, com sua história de impunidade, tem que responder perante a lei. Mas não se trata apenas do destino individual de Bolsonaro. O que está em julgamento é o projeto político que ele encarnou: um bolsonarismo que fez da mentira método de governo, do negacionismo política de Estado e do ódio linguagem oficial.

O julgamento de Bolsonaro é uma aula para o Brasil | Bolsonaro na companhia de seu advogado no julgamento sobre golpe de Estado
Bolsonaro na companhia de seu advogado no julgamento sobre golpe de Estado

Durante a pandemia da covid-19, vimos uma das faces mais brutais desse projeto. Bolsonaro atrasou deliberadamente a compra de vacinas, como no caso da Pfizer, cuja proposta de fornecimento foi ignorada por meses. Apostou em medicamentos sem eficácia, como a cloroquina, incentivou aglomerações e debochou das vítimas, chegando a imitar pessoas com falta de ar. O resultado foi trágico: segundo estudo da USP e da Conectas Direitos Humanos, mais de 300 mil mortes poderiam ter sido evitadas se medidas adequadas tivessem sido tomadas. As fake news não foram um acidente, mas a base de uma estratégia de poder. A desinformação foi utilizada para corroer a consciência crítica, enfraquecer instituições e manter o povo refém da mentira. O bolsonarismo se alimenta do obscurantismo porque precisa impedir que a classe trabalhadora compreenda a realidade concreta que vive.

Universidades e institutos federais

A educação sentiu diretamente esse ataque. Universidades e institutos federais, foram financeiramente estrangulados: em 2021, o orçamento do MEC despencou pro menor nível em dez anos, comprometendo bolsas de pesquisa, e até mesmo o funcionamento básico das instituições. Pesquisadores e professores foram perseguidos e difamados, acusados, vejam só, de “doutrinação ideológica” numa clara tentativa de intimidação e censura. Escolas públicas viraram escolas militarizadas em vários estados, reforçando uma pedagogia da obediência em vez de promover a formação crítica, enquanto projetos de homeschooling foram impulsionados como uma alternativa privatista, desestabilizando a escola pública como um espaço coletivo de formação e convivência. Esses ataques não aconteceram por mera coincidência. A escola e a universidade são centros de produção de ciência, cultura e autonomia intelectual, e é justamente por isso que foram alvos favoritos do bolsonarismo, afinal, formam pessoas que conseguem questionar, analisar, e resistir ao obscurantismo.

O julgamento atual tem como núcleo a tentativa de golpe de Estado. Mas é preciso compreender que o ataque à democracia e o ataque à educação fazem parte de uma mesma lógica: enfraquecer a soberania nacional. Um país sem democracia é um país submetido às elites e ao imperialismo, e um país sem ciência e sem educação pública sólida é um país condenado à dependência. Ao atacar universidades, silenciar professores e desmontar a escola, Bolsonaro não mirava apenas adversários políticos, buscava quebrar as condições de o Brasil produzir conhecimento, tecnologia e cultura próprios. O julgamento do golpe é, portanto, também o julgamento de um projeto de destruição da soberania educacional e científica do Brasil. Defender a escola pública e a ciência é parte inseparável da defesa da soberania nacional.

Esse processo não é apenas jurídico, ele também é pedagógico. Cada ato do julgamento ensina algo à sociedade brasileira, que não se pode conspirar contra a democracia sem consequências; que o negacionismo mata; que o ódio como método político destrói vidas. O julgamento de Bolsonaro ocorre porque a gravidade dos fatos e a pressão da sociedade organizada obrigaram a justiça a dar uma resposta. É justamente aí que reside a dimensão pedagógica, mostrar que a mentira e a violência não podem prevalecer indefinidamente, mas também ensinar que a verdadeira transformação não virá dos tribunais, e sim da organização popular. Cabe à escola e à universidade transformar esse momento em aprendizado crítico. O julgamento pode e deve ser apropriado como exemplo concreto de reflexão sobre democracia, soberania, ciência e educação pública. Mais do que punir um indivíduo, trata-se de oportunidade para mostrar que a política toca diretamente a vida e o futuro do país, e que a defesa da educação pública é parte essencial da luta por soberania e emancipação.

O julgamento

Bolsonaro representa o que há de mais atrasado na política brasileira. O julgamento que se inicia é uma resposta a esse atraso, mas só terá sentido pleno se for acompanhado de uma ação coletiva em defesa da educação, da ciência e da soberania nacional. Que a condenação de Bolsonaro não se limite ao indivíduo, mas se transforme em condenação social e política de todo um projeto que atacou a escola, a ciência e o povo. E que essa condenação reverbere em cada sala de aula como afirmação de que a educação pública é trincheira contra o obscurantismo e condição para a emancipação da classe trabalhadora.

 

Rosana Alves, é professora, historiadora e pedagoga. Atualmente coordenadora pedagógica na rede Municipal de Ensino de São Paulo. Mestra em Filosofia e História da Educação pela Unicamp. Membro da direção Municipal do PCdoB São Paulo.

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