São enormes os ensinamentos que este longo processo transformador nos proporciona até hoje, quando a China Socialista tornou-se a maior e mais dinâmica economia do mundo, resgatou da pobreza 850 milhões de pessoas, nas últimas quatro décadas, e luta por um mundo de paz e entendimento entre os povos, sem qualquer tipo de opressão e hegemonismo.
Por Raul Carrion – de Brasília
No século XVIII, a China, com sua civilização milenar, ainda era a maior economia do mundo, destacando-se na produção de seda, porcelana e chá. A Europa, em particular a Grã-Bretanha, tinha enormes déficits com a China, que não tinha maior interesse nos produtos europeus e mantinha fortes restrições sobre o seu comércio exterior. Cantão era o único porto aberto ao comércio estrangeiro.A fundação do Partido Comunista da China
A formação do Partido Comunista da China não foi fruto do acaso ou do mero desejo de um grupo de pessoas, mas decorreu de uma necessidade histórica e do amadurecimento de condições objetivas e subjetivas para o seu surgimento. Entre os principais acontecimentos que foram decisivos para a sua criação destacam-se: A derrota da revolução republicana de 1911, dirigida pela burguesia chinesa, demonstrando sua incapacidade em dirigir de forma conseqüente a luta antiimperialista e anti-feudal, para a conquista do renascimento da nação chinesa. O desenvolvimento capitalista da China e o surgimento de uma combativa classe operária que, ainda que pouco numerosa, mostrou ser capaz de aglutinar em torno de si a juventude estudantil e a intelectualidade progressista e de dar um rumo conseqüente às lutas camponesas. A traição das “democracias ocidentais” em Versalhes, desnudando-se como potências coloniais sem quaisquer escrúpulos, e as grandes manifestações de maio de 1919, que sacudiram a China de norte a sul e deixaram claro que só a organização revolucionária do povo chinês o libertaria. A vitória da Revolução Russa em 1917, que mostrou o potencial transformador das massas operárias e camponesas para eliminar todo o tipo de exploração e opressão e indicou a edificação do socialismo como o único caminho para o renascimento nacional da China. É nesse contexto que, em abril de 1920, a Internacional Comunista estabeleceu contato com Li Dazhao e Chen Duxiu, através de Grigori Voitinsky e Yang Mingzhai, que viajaram até a China. Em maio de 1920, Chen Duxiu organizou uma sociedade de estudos marxistas em Xangai, que deu origem ao Círculo Comunista de Xangai. Em agosto de 1920, foi criada em Xangai a Liga da Juventude Socialista, que se expandiu para diversas províncias, inclusive Hunan, onde Mao Tse-tung criou um grupo de estudos sobre a Rússia e um núcleo local da Liga da Juventude Socialista. Ainda em agosto de 1920, foi traduzido e publicado pela primeira vez na China o “Manifesto do Partido Comunista” e a seguir outras obras marxistas. Em outubro de 1920, foi constituído o Círculo Comunista de Pequim. Em novembro de 1920, o círculo comunista de Xangai criou a revista mensal e semi-legal O Partido Comunista. Entre o final de 1920 e o início de 1921, foram criados grupos comunistas em Wuhan, Changsha, Jinan e Guangzhou. Também foram formados grupos comunistas de estudantes chineses no Japão, na Alemanha e na França. Do grupo francês, faziam parte Chou En-lai, Deng Xiao-ping, Li Li-san e Chen Yi e outros futuros dirigentes do PCCh. Na Alemanha, destaca-se Chu Teh. Esses primeiros grupos comunistas dedicaram-se a divulgar o marxismo e o socialismo, publicar periódicos, criar cursos noturnos para operários e organizar sindicatos de trabalhadores. Em março de 1921, realizou-se um encontro de representantes desses grupos comunistas, que estabeleceu as bases políticas para a criação do Partido Comunista da China. Em 23 de julho de 1921, na Av. Wangzhi nº 106 (hoje Huangpi Nam Lu, 374), concessão francesa de Xangai, no primeiro andar da escola feminina Po Wen (fechada por conta das férias de verão), foi aberto o 1º Congresso do PCCh, com a participação de 12 delegados (entre eles Mao Tse-tung), que representavam 53 comunistas de 7 localidades (Xangai, Pequim, Changsha, Wuhan, Jinan, Guangzhou e Japão). Como observadores, participaram Maring e Nicolski, delegados da Internacional Comunista. Ao receberem a visita, no seu último dia de trabalho, de um desconhecido e desconfiarem tratar-se de um agente policial (o que depois se confirmou), o Congresso foi suspenso, sendo concluído em uma embarcação, no lago Nanhu, província de Zhejiang. Por razões variadas, Li Dazhao e Chen Duxiu, eleito secretário-geral do Partido, não puderam estar presentes no Congresso. O Congresso aprovou a filiação à IC, a luta pelo socialismo e o comunismo, a organização dos operários em sindicatos, mas não indicou os caminhos da “revolução democrática” na China. Será somente no seu 2º Congresso que o PCCh definirá o caminho da revolução democrática, antiimperialista e anti-feudal. Assim que foi criado, o PCCh precisou ir para a clandestinidade, devido às perseguições. Os primeiros anos foram de busca de enraizamento na classe operária e de combativas greves. A violenta repressão cobrou muitas vidas dos comunistas.A primeira guerra civil revolucionária
Com o apoio de um grupo de pequenos “senhores da guerra”, simpáticos à República, Sun Yat-sen retornou a Cantão, em 1923, e proclamou-se o governante legal da China. Em seguida, procurou o apoio da União Soviética e dos comunistas chineses para consolidar e expandir o seu poder. Incentivado pela IC, o 3º Congresso do PCCh, em julho de 1922 aprovou uma aliança com Sun Yat-sen e com o Kuomintang. Foi feito um acerto com o próprio Sun Yat-sen para que vários militantes comunistas se filiassem em caráter individual ao Kuomintang, inclusive Li Dazhao e Mao Tse-tung, com o objetivo de ajudá-lo a assumir posições mais avançada. O 1º Congresso do Kuomintang, em 1924, aprovou a aliança com a Rússia e com o Partido Comunista, assim como o seu apoio aos camponeses e operários. Uma quarta parte dos eleitos para a direção do Kuomintang eram comunistas. Essa aliança fortaleceu o Kuomintang e o PCCh e passou a contar com o apoio, inclusive militar, da URSS, a qual enviou conselheiros militares e colaborou na criação da Academia Militar de Huangpu, em maio de 1924, que passou a ter Chiang Kai-shek como comandante e Chou En-lai como vice-diretor do departamento político. Em 1925, o renovado exército do Kuomintang derrotou os outros caudilhos militares de Cantão e unificou toda a província. Em março de 1925, faleceu Sun Yat-sen, aliado sincero dos comunistas, e Chiang Kai-shek, ligado a setores de direita, assumiu a liderança do Kuomintang, colocando em cheque a aliança com os comunistas. A direção do PCCh, liderada por Chen Duxiu com o apoio dos delegados da IC, ficou temerosa de um rompimento e dobrou-se às pressões de Chiang Kai-shek, contribuindo para o fortalecimento da ala direita do Kuomintang. Em março de 1926, Chiag Kai-shek afastou os comunistas e os conselheiros soviéticos da Academia Militar de Huangpu e do 1º Corpo do Exército e decretou o Estado de Sítio. Chou En-lai chegou a ser preso, mas depois foi solto. A proposta de Mao Tse-tung e Chou En-lai de realizar um contra-ataque, tendo em conta a influência dos comunistas no Exército, foi descartada. A seguir, Chiang Kai-shek fez um verdadeiro expurgo dos comunistas nos postos de direção do Kuomintang. Mas como precisava do apoio da URSS e do PCCh para a Expedição ao Norte, que estava por iniciar, Chiang Kai-shek suspendeu por um tempo os seus ataques aos comunistas. As grandes vitórias obtidas pela Expedição ao Norte, à medida que avançava, desencadearam um auge revolucionário nos campos e nas cidades, mas a direção do PCCh abdicou de fortalecer-se frente a Chiang Kai-shek, que cada vez mais concentrava em suas mãos o controle do exército e confabulava com as potências imperialistas. Em 12 de abril de 1927, Chiang Kai-shek rompeu traiçoeiramente a aliança com os comunistas. A partir de então, até meados de 1928, foram assassinados mais de 300 mil revolucionários, entre os quais 26 mil comunistas. O PCCh – que no auge da luta havia contado com cerca de 60 mil filiados – ficou reduzido a pouco mais de 10 mil membros e teve de mergulhar na mais dura clandestinidade, com boa parte de seus militantes indo para as áreas rurais, para iniciar uma longa resistência armada, que 22 anos depois, em 1º de outubro de 1949 – levou os comunistas ao poder.A longa marcha rumo a um socialismo com características chinesas
Desde então, o Partido Comunista da China, que neste ano comemora um século de lutas, travou incontáveis batalhas, passando pela Segunda Guerra Civil Revolucionária contra Chiang Kai-shek (1927-1937), pela Guerra de Libertação contra o Japão (1937-1945) e pela 3ª Guerra Civil Revolucionária (1946-1949), quando derrotou Chiang Kai-shek e os Estados Unidos e conquistou o Poder. Nessa caminhada, o PCCh acertou e teve erros, acumulou vitórias e sofreu reveses, mas se manteve sempre fiel ao seu povo e ao objetivo de liquidar com a opressão imperialista e o jugo feudal-capitalista. São enormes os ensinamentos que este longo processo transformador nos proporciona até hoje, quando a China Socialista tornou-se a maior e mais dinâmica economia do mundo, resgatou da pobreza 850 milhões de pessoas, nas últimas quatro décadas, e luta por um mundo de paz e entendimento entre os povos, sem qualquer tipo de opressão e hegemonismo. Concluo, destacando cinco importantes contribuições dadas peloo PCCh aos revolucionários de todo o mundo nessa sua vitoriosa trajetória de 100 anos: O PCCh conduziu a primeira revolução vitoriosa em uma nação semi-colonial e semi-feudal, desbravando novos caminhos para a teoria marxista-leninista e rompendo na prática com a falsa idéia da existência de um “modelo único” de revolução e de uma “receita” única para a conquista do poder pela classe operária. O PCCh deu uma enorme contribuição na elaboração e compreensão do processo de “guerra popular prolongada” para a conquista do poder nos países predominantemente camponeses e de reduzida classe operária industrial, caminho alternativo à insurreição urbana da Revolução Russa. Igualmente inovou ao teorizar que nesses casos ainda que a classe dirigente seja a classe operária, através do seu Partido, a força principal da revolução será o campesinato. Vitoriosa a revolução chinesa, o PCCh elaborou criadoramente o conceito da “Nova Democracia” para o novo poder revolucionário, baseado na aliança da classe operária com o campesinato, a pequena burguesia urbana e a burguesia nacional, essencial para a transição de uma China semi-colonial e semi-feudal para uma nação soberana, próspera e socialista. Conceito que, adaptado às diferentes realidades, foi fundamental para as revoluções em países coloniais, semi-coloniais e dependentes. Após o XX Congresso do PCUS, em 1956, que deu origem ao revisionismo kruchovista e a sérios retrocessos na União Soviética, o PCCh, em uma atitude de grande coragem, denunciou e fez uma profunda crítica do revisionismo contemporâneo, o que foi fundamental para que o movimento comunista internacional não caísse todo ele no oportunismo. Perseverando no caminho do socialismo e do internacionalismo proletário e fiel ao espírito do marxismo-leninismo, o PCCh nunca titubeou em fazer a autocrítica dos seus próprios erros – inevitáveis na construção de uma nova sociedade, que almeja acabar com toda a forma de opressão e exploração. Assim, em fins de 1978, o PCCh iniciou profundas reformas econômicas e sociais que, mantendo o rumo do socialismo, desbravaram novos caminhos para a construção de um socialismo moderno e renovado. Através delas, a República Popular da China transformou-se na maior e mais dinâmica economia do mundo e tornou-se fonte de inspiração de todos aqueles que lutam pelo socialismo. Por tudo isso, os 100 anos do Partido Comunista da China são motivo de orgulho e alegria dos comunistas de todo o mundo e dos povos que almejam um futuro livre de todo tipo de opressão e exploração. Longa vida para o Partido Comunista da China e para a Revolução Chinesa!Raul Carrion, é historiador e membro da Comissão Política do PCdoB/RS. Foi vereador de Porto Alegre em três legislaturas e deputado estadual do RS por duas legislaturas. Atualmente, preside a Fundação Maurício Grabois-RS.
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