Influenciadores da chamada “extrema esquerda” reforçam ataques à esquerda que governo o país e ajudam, de forma indireta, a fortalecer o campo da direita no Brasil.
Por Thiago Modenesi – de Brasília
Um fenômeno peculiar e altamente danoso vem ganhando força nas redes sociais, em particular via YouTube: influenciadores que se autodenominam de “extrema-esquerda” ou “esquerda radical” têm direcionado o grosso de sua artilharia crítica não contra a direita e o bolsonarismo, mas contra as lideranças e partidos da esquerda institucional, notadamente o PT, o PCdoB, o ministro Fernando Haddad e o Presidente Lula.

Esta estratégia, longe de representar uma luta ideológica legítima, atua como uma força desmobilizadora e divisionista. Em vez de construir uma unidade mínima contra o projeto reacionário, esses agentes dedicam-se a amplificar narrativas de direita, vestidas com uma roupagem progressista. O objetivo parece ser menos a construção de um projeto de poder popular e mais a busca por engajamento através do polemismo e da purificação ideológica.
Os argumentos são conhecidos: acusações de “traidor da classe trabalhadora”, “conciliador com a burguesia”, “neoliberal” e “capitulacionista”. No entanto, a consequência prática dessa retórica é única: fragmentar o campo progressista, desestimular alianças eleitorais e, o mais grave, desiludir e afastar eleitores simpatizantes da esquerda. Enquanto a direita se mantém coesa em torno de seus objetivos de poder, essa suposta extrema-esquerda faz o trabalho sujo por ela, corroendo a base de apoio das principais forças de oposição ao fascismo.
Abstraem que estamos inseridos em um período de profunda divisão social, com ascensão da direita há anos no Brasil e no mundo, fazendo cobranças de pautas que muitas vezes dependem da aprovação do Congresso, majoritariamente conservador, ou do apoio de governadores, hoje de direita na sua maioria.
Algumas vezes cobram de um governo eleito por uma diferença de 2% em segundo turno, apoiado por frente amplíssima, com setores de centro, direita e esquerda, como se tivéssemos feito revolução e fosse possível, de uma hora para outra, brecar todo o avanço neoliberal que foi retomando com Temer e Bolsonaro em seus mandatos.
A pergunta que não cala é: a quem serve essa prática? Ataques constantes à esquerda institucional em um momento de risco democrático não fortalecem a revolução; pelo contrário, criam um vácuo que só pode ser preenchido pela direita. A narrativa de que “não há diferença entre Lula e Bolsonaro” no que tange a economia é um dos cavalos de batalha da extrema-direita global, e sua reprodução por supostos esquerdistas é, no mínimo, suspeita.
Não se defende aqui a ausência de crítica ou a submissão acrítica a qualquer liderança. A crítica é vital e necessária. A diferença crucial está no alvo prioritário e no contexto político. Quando o foco principal do ataque é um governo de coalizão de esquerda em um país periférico, sob constante ameaça golpista, e não as forças que explicitamente buscam demolir direitos e instaurar um regime autoritário, a função objetiva dessa crítica deixa de ser revolucionária.
Movimentos sociais
É legítimo e necessário que os movimentos sociais, e mesmo os partidos de esquerda da base do governo, critiquem e façam movimentos para enfrentar questões políticas e econômicas que não se apresentem adequadas ou atinjam os direitos dos trabalhadores, faz parte do processo democrático e revela sim a real correlação de forças na sociedade e nos setores de apoio ao governo que são amplos e plurais, algo profundamente necessário em contexto tão adverso como o de hoje.
A história já viu este filme. A tática de “socialismo ou barbárie” muitas vezes resultou apenas em barbárie, porque a incapacidade de fazer frente comum contra o inimigo principal levou à vitória do populismo autoritário ou similares.
Esses influenciadores, muitas vezes movidos mais pelo desejo de likes e lucros e da autoafirmação moral do que por uma estratégia de poder real, tornaram-se, na prática, a linha auxiliar da direita brasileira. Sua luta não é pelo futuro, mas pela pureza de um passado que nunca existiu no Brasil e mesmo no mundo, e o preço dessa ilusão será pago, como sempre, por todos nós, numa possível derrota eleitoral para a extrema direita no pleito de 2026. A revolução é possível, mas não está ali na esquina no momento, infelizmente, mas a defesa da democracia hoje é a luta mais revolucionária no atual contexto.
Thiago Modenesi, é Bacharel em Direito, Licenciado em História e Pedagogo, Especialista em Ensino de História, Ciência Política, Gestão da Aprendizagem e Moderna Educação, Mestre e Doutor em Educação, com pos-doutorado na área. É professor no Mestrado em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste e nos Programas de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica e Ciências Farmacêuticas, todos na UFPE, membro do INCT iCeis, pesquisador sobre inovação e Estado, charges, cartuns e histórias em quadrinhos e editor na Quadriculando Editora, além de presidente do PCdoB em Jaboatão dos Guararapes-PE.
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil