Rio de Janeiro, 27 de Julho de 2025

Democracia brasileira ‘respira por aparelhos’, constata analista

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Quarta, 27 de Abril de 2022 às 11:11, por: CdB

"O que está em jogo no Brasil, no momento, não é impedir que a democracia seja fraturada. Ela já está fraturada. É se haverá condição de retornar à trilha democrática, de recompor o que foi destruído, de reconstitucionalizar o país", afirmou o cientista político Luís Felipe Miguel.

Por Redação, com DW - de São Paulo
Para o cientista político e sociólogo Luís Felipe Miguel, não cabem eufemismos para analisar o atual momento político do Brasil: ele vê um país em que a democracia "está fraturada" e denuncia que pilares do próprio Estado constitucional foram à falência na década passada, sobretudo a partir do processo de impeachment que destituiu a presidenta deposta Dilma Rousseff (PT), em 2016.
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Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e coordenador do Grupo de Pesquisa Sobre Democracia e Desigualdades (Demodê), Miguel acaba de lançar livro ‘Democracia na periferia capitalista’. Na obra, o autor contextualiza as fragilidades do arranjo político nacional a partir da trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT), de sua criação, ascensão, auge — com a chegada ao poder, por meio da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, que foi presidente entre 2003 e 2010 —, e queda. — O que está em jogo no Brasil, no momento, não é impedir que a democracia seja fraturada. Ela já está fraturada. É se haverá condição de retornar à trilha democrática, de recompor o que foi destruído, de reconstitucionalizar o país — afirmou o catedrático à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW), nesta quarta-feira.

Legitimidade

Antes do atual livro, Miguel já publicou outros  de cunho político, entre eles ‘Democracia e representação: territórios em disputa, Consenso e conflito na democracia contemporânea e O Colapso da Democracia no Brasil: da Constituição ao Golpe de 2016’. À DW, Miguel aponta que parte da literatura da ciência política associa a crise da democracia à emergência de movimentos e líderes políticos autoritários, "os populistas de direita, dos quais Bolsonaro é um exemplo”. — Mas creio que eles são antes um sintoma do que a causa da decadência democrática — acrescenta. De acordo com a análise do cientista político, “a democracia brasileira está bem baqueada, respirando por aparelhos”. — A derrubada da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, mostrou que um pilar da democracia liberal, o respeito aos resultados eleitorais, estava corroído. A perseguição judicial contra o Partido dos Trabalhadores, sobretudo por meio da Operação Lava Jato, mostrou a falência do outro pilar, o império da lei. O veto à candidatura do ex-presidente Lula, em 2018, naquilo que o cientista político Renato Lessa chamou de "impeachment preventivo", retirou a legitimidade das eleições. Um veto, convém lembrar, que dependeu não só da atuação enviesada do Poder Judiciário como também da pressão das Forças Armadas: portanto, não se pode falar em neutralidade política dos militares e obediência aos governantes civis, que são outros elementos fundantes da democracia liberal — pontuou.

Salvo-conduto

Para Luís Felipe Miguel, “e todo um processo de desmonte acelerado da ordem regida pela Constituição de 1988, que culmina na presidência de Jair Bolsonaro, alguém que não se cansa de alardear seu desprezo pelas liberdades, pela democracia, pela Constituição – e que vem agindo para destruí-las, com a cumplicidade ou a omissão dos outros Poderes”. — Em suma, nós saímos de uma situação de democracia incompleta, em que muitas regras definidas nos textos legais tinham dificuldade de se efetivar (penso aqui sobretudo nos direitos sociais), para uma espécie de vale-tudo. A anarquia entre os Poderes, que vivem numa permanente queda de braço, é uma faceta. A outra é a liquidação de direitos e de garantias constitucionais, feita sem qualquer diálogo ou negociação com a sociedade — observou. Para o sociólogo, “o que está em jogo no Brasil, no momento, não é impedir que a democracia seja fraturada. Ela já está fraturada. É se haverá condição de retornar à trilha democrática, de recompor o que foi destruído, de reconstitucionalizar o país”. — O comportamento de Bolsonaro é um exemplo claro daquilo que a ciência política chama de "seletividade das instituições". Os governos de centro-esquerda tinham que reiterar, a todo momento, sua fidelidade às leis, seu republicanismo. Qualquer iniciativa que parecesse um pouco heterodoxa era recebida como afronta e rechaçada com alarido. Já Bolsonaro testa seus limites todos os dias e é respondido em geral com tolerância, por vezes com apelos para algum tipo de acerto, de composição – isto é, uma negociação sobre até que ponto as regras valem para ele. É um comportamento que só estimula novas bravatas, novas ameaças — afirmou, referindo-se à concessão do salvo-conduto para um aliado político.

Base militante

No caso do deputado Daniel Silveira, afirmou Miguel, o presidente Bolsonaro “concedeu um indulto que, legalmente, é questionável, mas do ponto de vista moral, não há dúvida nenhuma, é inaceitável”. — O Supremo mostrou pouca disposição para reagir, e agora Bolsonaro anuncia que está preparando uma anistia a todos os seus apoiadores condenados pela Justiça, afirma que não vai cumprir a decisão sobre o marco temporal caso o voto do relator, favorável aos povos indígenas, seja vitorioso, e assim por diante. São demonstrações de força que animam sua base militante, que é minoritária, insuficiente para vencer as eleições, mas muito aguerrida, muito agressiva — concluiu.
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