Rio de Janeiro, 04 de Julho de 2025

Crimes virtuais sobem 31% no Rio e ocorrem a cada 19 minutos

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Sexta, 04 de Julho de 2025 às 11:09, por: CdB

Explosão de golpes, pornografia infantil e fraudes com uso de IA expõem falhas nas investigações e na legislação.

Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro

Uma operação da Polícia Civil deflagrada esta semana, para apreender celulares e documentos ligados a uma quadrilha suspeita de desviar mais de R$ 4 milhões com fraudes via PIX, trouxe à tona um cenário preocupante: o avanço desenfreado dos crimes cibernéticos no Brasil.

No Estado do Rio de Janeiro, dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que o número de crimes cometidos com uso de tecnologia aumentou 31% em apenas um ano.

Crimes virtuais sobem 31% no Rio e ocorrem a cada 19 minutos | Estupro virtual. O militar da Aeronáutica Pedro Henrique Lourenço, de 20 anos, foi preso em casa, em Caxias, na Baixada Fluminense: suspeito de integrar quadrilha que pratica crimes on-line
Estupro virtual. O militar da Aeronáutica Pedro Henrique Lourenço, de 20 anos, foi preso em casa, em Caxias, na Baixada Fluminense: suspeito de integrar quadrilha que pratica crimes on-line

Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2024 foram registradas 27.878 ocorrências desse tipo, contra 21.266 em 2023. Isso equivale a um crime virtual registrado a cada 19 minutos. Embora os estelionatos sejam a principal categoria, o aumento atinge também delitos de conotação sexual contra menores de idade, com 248 casos em que criminosos divulgaram cenas de sexo explícito ou estupro envolvendo crianças e adolescentes.

Casos graves como o registrado na última segunda-feira ainda não constam nas estatísticas de 2024. Na ocasião, quatro pessoas — entre elas um militar da Aeronáutica — foram presas em uma ação contra uma rede que atuava em oito estados. Os criminosos compartilhavam imagens íntimas de meninas e mulheres com idades entre 11 e 19 anos e criavam “desafios” online com pedidos de automutilação às vítimas.

Estelionato digital domina estatísticas

A maioria das ocorrências (94%) registradas em 2024 corresponde a estelionatos virtuais, totalizando 14.096 boletins. Um dos golpes mais recorrentes atualmente é o do “falso advogado”. Criminosos se passam por profissionais da advocacia e entram em contato com vítimas por aplicativos de mensagem.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já contabilizou mais de seis mil casos desse tipo desde o ano passado. O advogado tributarista David Nigri contou que apenas ontem, oito de seus clientes foram abordados por golpistas.

— Os golpistas têm acesso até mesmo a processos com informações que estão em sigilo de Justiça. Geralmente, eles dizem que precisam de dinheiro para dar andamento a processos. Há alguns dias, um cliente que sequer tinha direito a receber algo não percebeu o golpe e pagou R$ 1 mil — relatou Nigri.

Para o advogado Daniel Blanck, especialista em Direito Digital, o crescimento dos crimes cibernéticos está diretamente relacionado à falta de estrutura da polícia para lidar com esse tipo de delito.

— O Rio de Janeiro tem apenas uma unidade especializada, a Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), para atender a todo o estado. São casos complexos em que a análise das provas pode levar seis meses ou mais — explicou.

Procurado por meio da Secretaria de Polícia Civil, o delegado Luiz Lima, titular da DRCI, não respondeu aos pedidos de entrevista.

Vítimas de perfis falsos e pornografia de vingança

As fraudes virtuais não se limitam a instituições financeiras. Pequenos comerciantes também têm sido alvo. É o caso do empresário Bruno Bustamante, de 38 anos, morador de Maricá. Proprietário de uma loja de eletrodomésticos e assistência técnica em refrigeração, ele se viu obrigado a recorrer à Justiça após ser vítima da criação de perfis falsos em nome dele e de sua loja.

— Desde 2023, recebo mensagens de moradores do Estado de São Paulo lesados, que cobram por produtos e serviços e querem que o dinheiro seja devolvido. Isso me surpreendeu, porque nossos clientes são basicamente de Maricá — contou Bustamante.

No campo dos crimes sexuais virtuais, os investigadores identificam conexões com redes internacionais de pedofilia que operam na dark web. Também há casos de “pornografia de vingança”, quando ex-parceiros expõem fotos e vídeos íntimos sem consentimento das vítimas.

Adolescentes são alvo frequente desses criminosos, especialmente em aplicativos como o Discord. Foi essa a plataforma usada pelos integrantes da quadrilha desmantelada esta semana, que também aplicavam “desafios” abusivos. Em abril, outro grupo foi preso no Rio ao planejar queimar vivo um morador de rua e transmitir o crime ao vivo pelo Discord, como celebração do aniversário de Adolf Hitler. Um dos suspeitos se apresentava como ativista ambiental.

Em nota, o Discord informou que coopera com as autoridades brasileiras:

“Atividades ilegais e incitação à violência não têm lugar no Discord nem na sociedade. Combater essas redes é um desafio complexo em toda a indústria, que exige soluções colaborativas. O Discord conta com equipes dedicadas que trabalham arduamente para identificar e remover quaisquer usuários e espaços onde pessoas mal-intencionadas estejam se organizando em torno de ideologias de ódio e para prevenir o uso indevido da nossa plataforma”, informou a empresa.

Golpes com biometria e IA

Júlio Concílio, líder global em Segurança da Informação do Instituto Brasileiro de Cibersegurança, alerta que os golpes estão se tornando cada vez mais sofisticados:

— Os golpistas se sofisticaram. No golpe do falso advogado, entram nos processos clonando a senha eletrônica e têm acesso a todas as informações. Montam, por exemplo, páginas falsas de instituições bancárias para dificultar o rastreio, e trocam constantemente de celular.

Ele recomenda a adoção de medidas básicas de segurança, como o uso da autenticação em duas etapas.

O advogado criminalista Petter Ondeza cita dados preocupantes de uma pesquisa do Datafolha, realizada em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o diário conservador paulistano Folha de S. Paulo:

— A cada hora são registradas 4,6 mil tentativas de golpes financeiros com auxílio da tecnologia. Há grupos que enganam a vítima e pedem que cadastrem biometria facial. Essa imagem, no Rio ou em outros lugares, pode ser usada para aplicar fraudes financeiras — alerta.

A advogada criminalista Lorena Pontes destaca que a legislação brasileira ainda precisa avançar para proteger a população diante das novas ameaças digitais. Ela defende ajustes na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e na chamada Lei Carolina Dieckmann (nº 12.737/2012), que tipificou os crimes cibernéticos, mas cujas penas — de até cinco anos de prisão — podem ser consideradas brandas frente à gravidade dos delitos.

— A tecnologia muda rapidamente com uso de IA, inclusive por golpistas internacionais — afirma Lorena.

Enquanto as redes criminosas se expandem no ambiente virtual, o Estado corre contra o tempo para adaptar suas estruturas e leis à nova realidade digital — onde, muitas vezes, um clique pode custar milhões.

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