Rio de Janeiro, 11 de Setembro de 2025

Coreia do Norte explora guerra da Ucrânia em sua propaganda

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Quinta, 11 de Setembro de 2025 às 11:54, por: CdB

Em vez de silenciar sobre as mortes de militares que lutavam pela Rússia, Kim Jong-un vem tentando usá-las a seu favor. Estimativa aponta que cerca de 2 mil soldados do país já morreram no conflito.

Por Redação, com DW – de Pyongyang

O número de mortos entre os soldados da Coreia do Norte enviados para lutar pela Rússia contra a Ucrânia está aumentando, e o regime de Pyongyang recorreu a técnicas clássicas de propaganda para garantir a lealdade dos seus cidadãos.

Coreia do Norte explora guerra da Ucrânia em sua propaganda | Programas de notícia norte-coreanos reproduziram à exaustão imagens de Kim Jong-un curvando a cabeça diante de retratos de soldados mortos
Programas de notícia norte-coreanos reproduziram à exaustão imagens de Kim Jong-un curvando a cabeça diante de retratos de soldados mortos

No mês passado, a mídia estatal norte-coreana veiculou um documentário detalhando as ações dos soldados que servem na Ucrânia, que não se esquivou de abordar as mortes de seus militares.

De acordo com a agência de notícias sul-coreana Yonhap, o documentário contou a história de dois soldados – Yun Jong-hyuk, 20, e Woo Wi-hyuk, 19 – que se viram cercados no campo de batalha, mas optaram por se matar detonando uma granada em vez de serem capturados. A trilha sonora descreveu a morte dos jovens como “sacrifícios heroicos”.

Embora histórias de soldados corajosos que se sacrificam pela pátria e de jovens incentivados a se alistar nas Forças Armadas para se tornarem “esquadrões suicidas de balas e bombas” provavelmente não convenceriam muitos em outros lugares, o controle rígido do governo norte-coreano sobre a mídia doméstica faz com que praticamente não haja narrativas alternativas disponíveis para o público.

Propaganda para estimular “devoção absoluta”

– Isso é o que a Coreia do Norte faz: doutrinação ideológica para educar tanto os atuais soldados quanto a próxima geração – disse Min Seong-jae, professor de comunicação e estudos de mídia da Pace University, em Nova York.

O programa relatou outros casos semelhantes de suicídios, que se tornaram mais comuns desde que dois soldados norte-coreanos feridos se renderam às tropas ucranianas logo após serem enviados para o campo de batalha.

– Eles mostram imagens de soldados cometendo suicídio porque isso se encaixa perfeitamente na narrativa tradicional do regime sobre lealdade e sacrifício absolutos – disse Min.

Os programas de notícia norte-coreanos também reproduziram à exaustão imagens do líder Kim Jong-un curvando a cabeça diante de retratos de soldados mortos e abraçando familiares enlutados. Min diz que as imagens têm como objetivo comunicar sua aparente angústia pelo sacrifício deles.

– Ao transmitir imagens de soldados ativando granadas sobre si mesmos, o regime reforça a mensagem de que a devoção absoluta à pátria exige estar disposto a morrer em vez de se render. A narrativa é enquadrada como martírio heroico, não como uma perda sem sentido – disse. “O que os estrangeiros veem como horror, a Coreia do Norte apresenta como prova do espírito inquebrantável de seus soldados.”

Mensagem para Moscou

Dois dias após a exibição do documentário, o Serviço Nacional de Inteligência (NIS) da Coreia do Sul estimou que, dos 13 mil soldados enviados por Pyongyang para lutar pela Rússia na guerra na Ucrânia, 2 mil foram mortos.

Mas o regime não direciona sua mensagem apenas ao público interno, diz Min. Pyongyang também está empenhada em mostrar a seu aliado em Moscou que está fornecendo camaradas destemidos e fortalecendo sua parceria.

E embora tais imagens em outras sociedades mais abertas poderiam minar a confiança e “levantar questões incômodas sobre por que filhos e irmãos estão sendo enviados ao exterior para morrer”, Min ressalta que esse não é o caso na Coreia do Norte.

– O controle rígido do Estado sobre as informações garante que essas imagens tenham um significado muito diferente – disse. “Elas enquadram a morte não como uma perda, mas como um martírio heroico.” Imagens de Kim Jong-un “chorando sobre caixões, consolando famílias enlutadas e comandando cerimônias solenes” são usadas como “uma oportunidade para demonstrar a unidade do povo”.

Punição como propaganda?

Erwin Tan, professor de política internacional da Universidade Hankuk de Estudos Internacionais em Seul, tem outra teoria: os soldados foram forçados a cometer suicídio após tentarem desertar ou apresentarem um desempenho ruim no campo de batalha.

– Essa cobertura em vídeo pode ter tido a intenção de sinalizar a outros membros das Forças Armadas norte-coreanas que ‘covardia e incompetência’ não serão toleradas – disse. “Outra possibilidade é que eles possam ter sido instruídos a cometer suicídio para garantir que, se capturados, não pudessem ser interrogados, o que revelaria a extensão do envolvimento norte-coreano na guerra.”

O regime norte-coreano há muito tempo usa propaganda e serviços de segurança interna para exigir lealdade de seus cidadãos, principalmente porque teme o tipo de colapso que os antigos países da União Soviética no Leste Europeu sofreram no final da década de 1980, disse Tan. “O regime norte-coreano reconhece plenamente a fragilidade do seu controle do poder”, afirmou Tan.

Para manter esse controle, ele construiu uma rede de informantes e agências de vigilância interna que tornariam muito difícil a ocorrência de uma revolta no país. Além disso, o regime garantiu que os líderes militares, que poderiam ser uma outra fonte de resistência, permanecessem leais, seja recompensando-os com cargos de influência, seja eliminando aqueles que pudessem atrapalhar.

Uma nova característica da propaganda de Pyongyang sobre a guerra na Ucrânia são as alegações de que as tropas da Coreia do Norte intervieram no conflito porque os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do Sul teriam enviado unidades militares para o lado ucraniano.

É fácil convencer uma população que cresceu ouvindo histórias incessantes sobre as “ações malignas” e a “desonestidade” dos EUA, o “Estado fantoche” da Coreia do Sul e o “belicista” Japão, descrito na mídia estatal como um país que planeja invadir novamente a Península Coreana.

– A alegação da mídia estatal norte-coreana de que seus soldados estão lutando contra norte-americanos, sul-coreanos e japoneses serve para fazer uma guerra distante e confusa parecer próxima e ideologicamente consistente – disse Min.

Ele destacou como Pyongyang há muito tempo ensina a seus cidadãos que esses três países são seus “inimigos eternos”. “Portanto, enquadrar a guerra na Ucrânia como mais uma frente nessa mesma batalha transforma uma luta em nome da Rússia para uma defesa direta da pátria.”

Segundo Tan, isso “desperta emoções familiares de orgulho, vingança e resistência, e ajuda a mascarar a realidade incômoda de que os norte-coreanos estão morrendo pelos interesses de Moscou, e não pelos seus próprios”.

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