Celso Lungaretti, é editor do blog Náufrago da Utopia:
Prosperou mas nunca foi respeitado, por ser tosco demais até para os rasos padrões da política brasileira. Beijava a mão do Paulo Maluf como hoje beija a do Donald Trump, recebendo de volta afagos inócuos e algumas sobras do banquete dos verdadeiramente poderosos.
Um dos representantes no legislativo que foi, durante três décadas, da arraia miúda das corporações policiais e militares do Rio de Janeiro, mantendo relações as mais suspeitas com as milícias geradas pela mesma ambiência, Bolsonaro dotou automaticamente os valores anticomunistas e antipetistas dessa gente, ecoando sua insatisfação com as medidas restritivas aos abusos policiais e com a apuração dos crimes cometidos pelos torturadores da ditadura militar.

E, quando o desempenho medíocre do Bolsonaro nos debates eleitorais ameaçava detonar os planos dos ditos cujos (Guilherme Boulos abalou Bolsonaro no primeiro deles e Marina Silva o deixou grogue, sem reação, no segundo), uma facada providencial lhe permitiu passar o resto da campanha fugindo da raia para não expor em rede nacional sua incapacidade para a discussão franca. Sorte? Ela só existe para quem acredita nela...
Então, o abuso desmesurado de poder econômico, a avalanche de mentiras disparadas pelo WhatsApp e os erros crassos do PT (intensamente explorados pela propaganda adversária) elegeram um presidente caricato, sem experiência administrativa nenhuma, muito menos estatura moral e intelectual para desempenhar qualquer outro papel que não seja o de bobo da corte palaciana.
— intimidações das milícias virtuais e das hordas bovinizadas do bolsonarismo ao Congresso Nacional e ao STF, com o apoio implícito ou explícito do presidente da República;
— grotescos disparates na Educação, na Cultura e nas Relações Exteriores;
— devastação ambiental em benefício dos setores mais atrasados e predadores do empresariado rural;
— medidas draconianas na economia que nem de longe trouxeram o retorno (retomada dos investimentos produtivos) prometido pelo mercador de ilusões Paulo Guedes);
— vexames e atentados à moral e bons costumes protagonizados a cada instante por Bolsonaro;
— impunidade dos chefões milicianos do RJ e morte pra lá de suspeita daquele que sabia demais;
— estímulos à baderna policial no Ceará e incentivo generalizado às matanças desnecessárias por parte de quem deveria manter a ordem, etc.
A pandemia de Covid-19 leva todo jeito de ser a gota d'água que fará transbordar o copo, num momento em que o desgoverno atual já atravessava sua pior crise, face ao anúncio de mais um crescimento irrisório do PIB (1,1% em 2019), confirmando o que este humilde escriba vinha dizendo há mais de um ano: Paulo Guedes não passa de outro Joaquim Levy, ambos economistas do segundo escalão que aceitaram um desafio muito acima de suas capacidades (exatamente porque os mais aptos e respeitados, percebendo que se tratava de uma roubada, não quiseram se desmoralizar).

Agora, vendo que o Posto Ipiranga não passou de um pastel de vento, ele simplesmente não sabe o que fazer e para onde ir, até porque sua propensão real nunca foi pelo neoliberalismo, mas sim pelo aumento da presença do Estado na economia e na sociedade, criando um suporte mais sólido para o autoritarismo.
E, face à pior crise sanitária que atravessamos há décadas, suas preocupações maiores têm sido a de não deixar que as medidas adotadas mundialmente contra a pandemia prejudiquem por aqui as atividades econômicas (os lucros dos empresários vêm em primeiro lugar), nem que as restrições às aglomerações atrapalhem as chantagens contra o Congresso e o STF que ele quererá orquestrar nos próximos dois ou três meses (as tentativas de subjugar os outros Poderes vêm em primeiro lugar).

Quando o presidente da República começa a atentar desta forma contra a própria vida dos brasileiros, não há mais como contemporizar. Alguma solução tem de ser rapidamente adotada, para que a conjugação das crises econômica e financeira, nos meses difíceis que teremos pela frente, não nos leve ao descontrole absoluto.
Miguel Reale Jr. propôs que se impusesse a Bolsonaro a realização de um exame de sanidade mental, pois presidente que se comporta como espalha-vírus arruaceiro pode muito bem estar incapacitado para governar.
Ricardo Kotscho tentou convencer o insensato a renunciar, o que implicaria um mínimo de autocrítica em quem até agora demonstrou não ter nenhuma.
Os pedidos de impeachment já estão chegando à Câmara Federal, e certamente vão aumentar em escala geométrica como a contaminação com o coronavírus.
Se eu fosse um cínico, terminaria este um artigo com um velho ditado: quem pariu Mateus, que o embale.
Mas, não é da minha índole mandar às favas os pobres e os idosos, como acontecerá se pesarem mais os diagnósticos do dr. Olavo de Carvalho que os diagnósticos do dr. Luiz Henrique Mandetta.
Então, conclamo os brasileiros a cerrarem fileiras em torno da civilização, contra a barbárie.
Pois, mais do que nunca, é disto que se trata agora.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso, torturado e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.