Ameaçadas de extinção, abelhas têm papel fundamental na polinização e produção de alimentos, gerando uma economia de até R$ 50 bilhões por ano à agricultura brasileira.
Por Redação, com DW - de Brasília
A morte repentina das abelhas que cultivava em caixas obrigou Geomilton Rodrigues a buscar um novo local para os insetos prosperarem. Imerso na Caatinga, o apicultor de Tabuleiro do Norte, no Ceará, desconfia que o agrotóxico pulverizado em plantações vizinhas de milho e algodão tenha sido letal para seus insetos.

– Quarenta enxames morreram logo, alguns ficaram intoxicados", relata Rodrigues. "As matas estão sendo reduzidas devido às grandes áreas do agronegócio, e os enxames ficam sem ter onde buscar comida – adiciona o apicultor, que produz mel desde 2004 para ajudar no sustento da família.
Nas comunidades próximas de onde vive Rodrigues, a apicultura tornou-se uma importante fonte de renda da agricultura familiar, mas os relatos são de crescente desaparecimento desses insetos. O uso de agrotóxicos e o corte da Caatinga, bioma que registrou o maior aumento proporcional de desmatamento entre 2020 e 2021 (90%), segundo os dados mais recentes do Mapbiomas, são apontados como as principais causas.
Extinção levaria a colapso na produção de alimentos
Em todo o Brasil, pelo menos quatro espécies de abelhas estão ameaçadas de extinção, segundo avaliação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA): Melipona scutellaris, com maior distribuição no Norte e Nordeste; Melipona capixaba, que vive em regiões montanhosas do Espírito Santo; Melipona rufiventris, conhecida como uruçu amarela do Cerrado; e Partamona littoralis, da Mata Atlântica.
A perda desses insetos levaria o mundo a um colapso. "O desaparecimento das abelhas tem implicação direta na produção de alimentos. Elas são polinizadoras, muito importantes na agricultura, grandes responsáveis pela formação de frutos e sementes", ressalta Vinina Ferreira, professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco, que pesquisa o tema desde a graduação.
A Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos estima que o trabalho silencioso dos polinizadores, com liderança das abelhas, gera uma economia de até 10 bilhões de dólares (cerca de R$ 50 bilhões) por ano à agricultura brasileira. Esse seria o montante extra a ser desembolsado para produção de alimentos caso os insetos não colaborassem.
Socorro em andamento
O alerta da plataforma mobilizou centenas de pesquisadores na elaboração da maior força-tarefa já feita para salvar as abelhas no país. Chamado de Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Insetos Polinizadores Ameaçados de Extinção, ele inclui também espécies de borboletas e mariposas.
– O Brasil é o país mais rico em biodiversidade e tem uma responsabilidade especial por conta disso – avalia Braulio Dias, diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade no Ministério do MMA e ex-secretário executivo da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica.
O programa, que está saindo do papel e deve vigorar até o fim de 2027, tem entre suas prioridades reduzir o efeito dos agrotóxicos sobre os insetos, preservar a vegetação, combater incêndios e impactos das mudanças climáticas para manter os polinizadores vivos.
A Caatinga é justamente apontada como uma das regiões mais vulneráveis. Numa iniciativa paralela, um projeto de Vinina Ferreira tenta fazer o diagnóstico da situação das abelhas na região do vale do São Francisco, que ainda carece de pesquisas.
– Sabemos que o processo de desmatamento, queimadas, avanço da fronteira agrícola e as secas mais frequentes causadas pelas mudanças climáticas provocam o desaparecimento desses polinizadores – comenta Ferreira.
Os efeitos dos agrotóxicos sobre as abelhas, especialmente sobre o sistema neurológico, já são relativamente bem descritos pela ciência. "Quando contaminadas, elas não conseguem voltar à colmeia para comunicar às outras onde está o recurso, o alimento. Isso causa um caos", exemplifica a pesquisadora.
Conservar para não extinguir
Polinizadores saudáveis precisam de vegetação preservada. Só a Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro que já perdeu 26% de sua área original, tem 12,4 milhões de hectares de áreas prioritárias para conservação, segundo levantamento da Plangea Web, plataforma gratuita desenvolvida pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS).
– A recuperação de 1,4 milhão de hectares de vegetação nativa na Caatinga tem o potencial de reduzir o risco total de extinção de 79 espécies, das 660 avaliadas, se realizada em áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade – comenta Bruna Pavani, pesquisadora do IIS.
A criação de novas áreas protegidas é uma das estratégias que Dias, do MMA, aponta contra o desaparecimento da fauna e flora brasileira. "Essas áreas são importantes para amortecer pressões que vêm com a expansão das atividades econômicas, como construção de estradas, agricultura, mineração, retirada de madeira e pesca, entre outros", menciona.
"A saúde humana depende da saúde da natureza"
Dias é quem coordena o Projeto Pró-Espécies do MMA, que desenvolve planos para reduzir as ameaças e melhorar o estado de conservação de pelo menos 290 espécies criticamente em perigo.
– Temos a tradição em avaliar o risco da nossa biodiversidade, mas não conhecemos a maior parte dela – pontua Dias. No Brasil, cerca de 120 mil espécies de animais e 50 mil de plantas foram descritas, mas estima-se que esse número represente apenas 10% da biodiversidade que habita as terras brasileiras.
– Não importa se estamos falando de grandes mamíferos, de abelhas ou de organismos minúsculos. Manter a biodiversidade é garantir a produção de alimentos do país, a produção de água. A saúde humana depende da saúde da natureza – defende Dias.