Rio de Janeiro, 12 de Setembro de 2025

Zumbi vive

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Quarta, 08 de Novembro de 2017 às 07:57, por: CdB

Há 322 anos, em 20 de novembro de 1695, morria Zumbi dos Palmares, encerrando mais de um século de resistência naquele que foi o maior quilombo da história do Brasil. Ele morreu na guerra contra a escravidão, hoje extinta, mas a luta contra a desigualdade ainda se faz necessária

Por Jaime Sautchuk - de São Paulo:

A partir dali, ao invés de esmorecer, foram formados milhares de novos quilombos pelo país inteiro, muitos dos quais continuaram a existir após a abolição. Hoje, segundo a Fundação Palmares, órgão do Ministério da Cultura, há perto de 1900 comunidades remanescentes no país inteiro.

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Há 322 anos, em 20 de novembro de 1695, morria Zumbi dos Palmares

A regularização fundiária desses remanescentes de quilombos é parte dessa luta. Não que queríamos os negros lá, segregados em reservas próprias. Mas, os quilombolas atuais são museus vivos; de enorme relevância por guardarem parcela significativa da cultura trazida da África; que inclui, em muitos casos, a propriedade e uso coletivo de terras.

E pra lembrar ao Brasil que brasileiros afrodescendentes são partes da nossa sociedade. Mas ainda padecem da falta de igualdade plena, verdadeira, não apenas formal, no papel.

Palmares

O Quilombo de Palmares ficava na Serra da Barriga, então Pernambuco; distante de áreas urbanas, a região de mais difícil acesso naquela Província.

Era uma área enorme, metade do que é hoje o Pernambuco; indo até as margens do rio São Francisco, de topografia acidentada e uma mescla de mata fechada; com palmeirais (palmares) nativos nos topos dos morrotes. Hoje, boa parte do território estaria em Alagoas, onde está a cidade de União dos Palmares.

Escravos

Tudo começou com a revolta dos escravos de um engenho de açúcar que; armados apenas com foices; chuços e paus atacaram e dominaram seus amos e feitores; segundo conta o historiador Décio Freitas, em Palmares – A Guerra dos Escravos (Editora Movimento, Porto Alegre-RS, 1973). E arremata:

“E assim, viram-se senhores do engenho que fora tanto tempo; o instrumento da sua opressão. Mas quedaram perplexos: que fazer da liberdade que haviam conquistado?”

Revoltas

Corria o ano de 1.580 e já havia muitos exemplos de revoltas que foram sufocadas; como seria também a deles. Se ficassem na usina, logo seriam cercados por forças bem armadas. Se fugissem pra perto, logo seriam alcançados. Daí, a decisão de andar semanas e semanas até a região dos Palmares. Mas, a simples escolha do local denunciava que o território já havia sido percorrido por alguns deles.

Ergueram, então, onze vilas, chamadas de mocambos, que começaram com cerca de três mil pessoas; e chegaram a ter 40 mil habitantes. Muitos foragidos de prisões e senzalas da Bahia e de todo o nordeste foram se incorporando ao empreendimento.

O chefe maior era eleito, como na maioria das comunidades africanas; e não tinha poderes absolutos nem linhagem religiosa; num convívio baseado na fraternidade e solidariedade; citando de novo Décio Freitas Ali, no mocambo Cerca do Macaco; nasceu o menino Zumbi dos Palmares, em 1.655; que ainda criança foi raptado e entregue a um missionário português; que o batizou com o nome de Francisco e o educou.

Palmares

Com idade de 20 anos, porém, ele voltou aos Palmares, à época sob a liderança de seu tio Ganga Zumba; chefe que negociava um armistício com as autoridades da Província; pois estas haviam aprisionado seus três filhos. Zumbi tomou a dianteira e impediu o acordo; destacando-se como comandante militar; o que o colocou na posição de líder maior do quilombo.

Entretanto, Ganga Zumba prosseguiu as negociações por sua própria conta, foi pessoalmente a Recife; acompanhado de um séquito de 40 homens; e fechou um acordo com o governador da Província, Aires de Souza e Castro. Assim, ele deixou o quilombo e foi morar em umas terras cedidas pelo mandatário. E consta que lá morreu; uns anos depois, envenenado.

Os quilombolas

Desde lá atrás, no início de tudo, os quilombolas de Palmaras já haviam enfrentado incontáveis batalhas contra portugueses; holandeses e senhores de engenhos. Usavam táticas de guerrilha e quase sempre saiam vitoriosos ou pelo menos ilesos; pois ninguém ousava entrar nos redutos por eles dominados, na tentativa de alcança-los.

Mas, eles enfrentavam sérios problemas, entre os quais o de poucas mulheres, o que os forçava a descer a serra; como se dizia, pra raptar negras em senzalas, plantações ou casas de fazendas. Isto, era feito com escaramuças e violência, pois eles aproveitavam pra confiscar armas e alimentos.

Colonial

O fato é que, agora, a fama de Zumbi se espalhava pelo país inteiro, como homem capaz de muitas proezas; que não aceitava negociar com o poder colonial que os escravizava e que; além do mais, tinha o corpo fechado, ninguém conseguiria mata-lo. Pelo sim, pelo não, as histórias que corriam incomodavam as autoridades e senhores de escravos.

Foi armada, então, em 1.687, uma grande ofensiva contra Palmares, tarefa entregue ao bandeirante Domingos Jorge Velho; então já conhecido matador de índios da Bahia ao Piauí, e senhor de fazendas em todo o nordeste. Ele tinha um exército de 2.100 homens, dentre os quais 1.300 índios cooptados e uns 800 não-índios, inclusive negros.

Foram 7 anos de ofensivas que, aos poucos, foram solapando o quilombo pelas beiradas; mocambo a mocambo, até o derradeiro ataque ao Macaco, iniciado em março de 1.695. Delatado por um ex-comparsa, Zumbi foi apanhado no dia 20 de novembro; morto e decapitado. Sua cabeça foi levada ao Recife, onde foi exposta no lugar mais público da cidade, e ali ficou até se decompor.

Jaime Sautchuk, é jornalista

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