Estado criou Secretaria exclusiva de IA para solucionar problemas locais e melhorar políticas públicas, ao mesmo tempo em que a rede estadual de educação implementa ensino de novas tecnologias
Por Redação, com CartaCapital – de Brasília
Enquanto o ar quente do rio Poty baforava nas laterais do Centro de Convenções de Teresina, uma estudante franzina, de voz firme e olhar curioso, ocupava o palco diante de engenheiros, professores, jornalistas e executivos de multinacionais.

Apresentava um protótipo da Turbina de Arquimedes feito de PVC e uma ideia nítida: gerar energia limpa a partir do vento mais tímido. Seu nome é Drielle Pereira da Conceição e, aos 16 anos, exibia a confiança de quem acredita que pode mudar o mundo começando pelo quintal da escola.
Durante a Brazil Energy Conference, realizada em Teresina (PI), no mês de junho de 2025, estudantes da rede pública estadual do Piauí dividiram o palco com autoridades, especialistas do setor elétrico e executivos da indústria energética.
Entre os estandes e painéis, a turbina doméstica feita por Drielle e seus colegas da escola estadual Julia Nunes Alves chamou a atenção.
– O vento sempre passou por aqui, mas nunca serviu pra nada. A gente queria transformar isso em alguma coisa útil pra nossa comunidade – disse, ao explicar o projeto, que envolve outros quatro estudantes e dois professores.
A ideia agora é captar recursos financeiros para tirar a ideia da maquete e instalar na própria escola, para que ela possa gerar parte de sua energia elétrica de forma autônoma. Com isso, o grupo espera reduzir custos e mostrar ao restante do país os usos práticos da energia renovável.
Enquanto alguns estados ainda discutem o lugar da tecnologia nas escolas, o Piauí tem colocado alunos para propor soluções reais.
Essa jornada teve início com decisões de investimento tomadas nos últimos governos. Hoje, isso posiciona o estado como um dos líderes nacionais em educação e inovação.
Ali, sob os refletores, era possível enxergar mais que um projeto escolar. Era um modelo de país em miniatura — onde ciência, criatividade e política pública andam de mãos dadas.
No estado, mais de 1,3 mil estudantes participam atualmente do curso técnico em Sistemas de Energias Renováveis, presente em 27 escolas de Tempo Integral de 21 municípios.
Com o apoio dos professores, os alunos aprendem a transformar desafios reais em soluções sustentáveis.
– O futuro de um estado se constrói com ousadia e planejamento. E o Piauí decidiu ser protagonista da revolução tecnológica brasileira – afirmou o governador Rafael Fonteles na abertura do evento.
Ensino integral e tecnologia moldam nova geração
O Estado foi o primeiro do Brasil a universalizar, em 2025, as escolas de ensino médio em tempo integral com formação profissionalizante.
A meta, anunciada e executada pelo governo Rafael Fonteles, transformou 512 unidades escolares em todos os 224 municípios piauienses.
Desde 2023, mais de 120 mil estudantes aprendem sobre inteligência artificial, robótica, programação, energias renováveis e empreendedorismo digital.
– Criamos um modelo de educação que forma para o presente e o futuro – afirmou à CartaCapital o secretário de Educação, Washington Bandeira.
Essas escolas contam com laboratórios, quadras, refeitórios, salas especializadas e climatização completa.
O investimento, superior a R$ 2 bilhões, veio de fontes como Fundeb, precatórios do Fundef e o Tesouro Estadual.
Esse modelo também garantiu avanços expressivos no IDEB: o Piauí passou da 9ª para a 4ª posição no ensino médio, liderando o Nordeste. Na avaliação do PISA, também houve progresso visível.
As escolas são geridas com um modelo que mistura rigor pedagógico, formação continuada de professores e uso intensivo de dados para adaptar planos de aula à realidade de cada turma.
Há sensores de desempenho, ciclos de avaliação frequentes e incentivo à participação dos pais. Tudo isso compõe um ecossistema vivo, onde o aprendizado acontece dentro e fora das paredes escolares.
Da sala de aula para o mundo
Os projetos não ficam restritos à escola. Com iniciativas como o Seducatom, maratona de tecnologia e IA, os melhores alunos ganham intercâmbios para países como Estados Unidos, Alemanha, China e Portugal.
Também surgiram cursos técnicos em energias renováveis e eletrotécnica com foco em hidrogênio verde, em 27 escolas de 21 municípios.
Mais de 1,5 mil alunos estão matriculados nessas turmas. Além disso, a Universidade Aberta do Piauí oferece um curso tecnólogo em energias renováveis com 240 alunos em seis polos.
A formação é pensada de forma escalonada, conectando ensino médio, cursos técnicos, ensino superior e pós-graduação.
Há bolsas, grupos de pesquisa e estímulo para que jovens do interior se tornem protagonistas na revolução energética em curso.
Segundo Fonteles, esse investimento prepara a população para aproveitar a transição energética.
– Queremos que nosso povo participe da implantação e da operação das usinas, do desenvolvimento das tecnologias, da industrialização – explica.
PIT forma jovens e cria startups
O Piauí Instituto de Tecnologia (PIT) – inspirado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) – é ligado à empresa de fomento Invest Piauí.
Funciona como aceleradora, centro de formação e, em breve, faculdade com dois cursos gratuitos de IA: um tecnólogo e um bacharelado.
O edital reservará até 80% das vagas para alunos da rede pública e terá cotas mínimas para mulheres.
– Nosso diferencial é ser uma faculdade estadual com natureza privada. Temos liberdade de gestão e foco em resultado – afirma João Carlos Souza, diretor acadêmico.
A metodologia é baseada em problemas reais, com projetos que já deram origem a mais de 200 startups.
Os alunos são incentivados a resolver desafios práticos das cidades piauienses. Muitos desses projetos foram implementados como soluções vendidas a órgãos públicos.
O PIT também criou o programa Capacite IA, que treinou mais de 500 servidores públicos.
Outro destaque é o “Piauí em Dados”, uma plataforma que reúne informações econômicas, sociais e tecnológicas para atrair investimentos e melhorar a gestão.
O usuário pode consultar onde estão as universidades, quem produz mel ou quanto foi exportado, por exemplo.
Até o fim de 2025, o PIT deve inaugurar um laboratório voltado ao desenvolvimento de modelos de IA aplicados ao setor público, conectando especialistas de universidades federais, pesquisadores e startups locais.
Estão em estudo, também, programas de pós-graduação lato e stricto sensu com foco em IA e políticas públicas.
Um acordo de cooperação com o MIT também está em negociação, para promover intercâmbio de metodologias e pesquisadores.
Nos últimos 18 meses, o PIT incubou startups em áreas como diagnóstico médico com IA, saneamento inteligente, agricultura de precisão e gestão tributária.
Ao menos 30 dessas empresas estão em fase de tração comercial. Dez já receberam aportes de fundos privados.
A expectativa é criar um ecossistema regional de inovação, com capital intelectual e empresas nascidas no interior do estado.
Política de Estado
Para consolidar essa visão, o governo criou em 2024 a Secretaria de Inteligência Artificial (SIA).
A estrutura tem três frentes de atuação: formação de servidores e população, desenvolvimento de soluções com IA e regulação e governança de dados.
– O Piauí não quer tratar IA como moda, mas como estratégia de Estado. A gente usa a tecnologia para resolver problemas históricos, como seca, saúde precária, falta de infraestrutura – afirma Fabbio Borges, diretor de desenvolvimento da SIA.
O programa CapacitIA já formou mais de 400 servidores para usar ferramentas de IA no cotidiano.
Com isso, tarefas como elaboração de minutas, ofícios e relatórios passaram a ser feitas com mais agilidade.
A partir de junho, a capacitação será ampliada para lideranças comunitárias e, depois, para a população em geral.
– Vamos percorrer todo o estado ensinando como acessar os aplicativos do governo, como o Saúde Digital, e como usar IA com autonomia – diz Borges.
A SIA também coordena o projeto Fábrica de IA, que analisa dados de órgãos estaduais para propor soluções digitais.
Em parceria com a educação, foi criado um sistema que recomenda, com base nas notas dos alunos, quais conteúdos o professor deve reforçar.
Políticas públicas com base em dados
A regulação da IA também faz parte da estratégia. A SIA acompanha os debates no Congresso Nacional sobre projetos de lei e analisa formas de compatibilizar as novas tecnologias com a LGPD e a governança de dados.
A meta é garantir a segurança das informações e a eficiência dos serviços.
Todas essas iniciativas demonstram como o Piauí tem estruturado sua política pública com base em formação, dados e inovação aplicada.
Com escolas em tempo integral, servidores capacitados e projetos que cruzam fronteiras, o estado está construindo uma nova imagem de si mesmo.
Em vez de importar soluções, passa a exportar ideias. E, no lugar do atraso histórico, planta um ciclo de inovação que começa na sala de aula e se espalha por toda a gestão pública.
Saúde Digital transformou atendimento
O programa Saúde Digital melhorou a forma como o governo presta atendimento em saúde no Piauí.
A partir de uma base tecnológica robusta, o sistema oferece teleconsultas, exames de baixa complexidade nos próprios municípios e prioriza os atendimentos de alta complexidade em 12 polos espalhados estrategicamente pelo estado.
Com essa estrutura, nenhum paciente precisa percorrer mais de 100 quilômetros para realizar exames como tomografias, que antes poderiam exigir até 600 quilômetros de deslocamento e 12 horas de viagem em uma ambulância.
Todos os laudos são analisados por especialistas, com apoio de inteligência artificial, em menos de duas horas.
A IA atua além de uma mera ferramenta de eficiência, também como instrumento de monitoramento epidemiológico.
O sistema cruza dados em tempo real, identifica tendências, anomalias e potenciais epidemias, permitindo respostas mais rápidas e precisas.
O modelo tem chamado a atenção internacional. O Piauí iniciou conversas para compartilhar a plataforma com outros países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Para Victor Hugo Figueroa, um dos responsáveis pelo projeto, essa iniciativa valoriza a diversidade de dados locais.
– Nosso sistema reconhece a variedade genética e social da população brasileira. Ele é mais eficiente para nosso contexto do que modelos estrangeiros – explica.
Segundo ele, enquanto softwares norte-americanos apresentam 94% de confiabilidade nos EUA e apenas 60% quando aplicados ao Brasil, o sistema piauiense atinge 91% de acurácia local e 90% com dados externos.
Com custo de apenas R$ 5,80 por pessoa ao mês, o Saúde Digital tem sido comparado a planos privados de R$ 1,5 mil mensais.
Tudo o que o cidadão precisa é de um celular ou computador com acesso à Internet.
Estão em desenvolvimento modelos que avaliam exames laboratoriais e cruzam indicadores para antecipar surtos e padrões de incidência de doenças.
A meta é utilizar IA para apoiar diagnósticos, melhorar o planejamento e fortalecer o atendimento nas pontas.
Segurança pública adota tecnologia preditiva
Na área da segurança, o governo desenvolve projetos com sensores de Internet das Coisas instalados nas Viaturas Inteligentes.
Esses equipamentos fazem leitura de placas e reconhecimento facial para identificar veículos roubados ou suspeitos em tempo real.
As tecnologias também são integradas a bancos de dados estaduais e nacionais, agilizando abordagens e respostas das forças policiais.
Como parte desse avanço, o estado vai disponibilizar o LupaApp, uma nova ferramenta digital que permitirá consultas em tempo real sobre dados como placas de veículos, identidades, mandados de prisão e celulares roubados.
O aplicativo será utilizado por cerca de 9 mil policiais em todo o Piauí.
Antes de se tornar um aplicativo, o LupaApp funcionava como um bot em aplicativos de mensagens, com resultados relevantes.
Desde sua criação, foram feitas 264 mil consultas, com 52.306 alertas positivos, média de 720 consultas por dia.
A versão atual incorpora novas funcionalidades, como o FaceP, uma solução de reconhecimento facial baseada em código aberto.
Essa funcionalidade estará integrada ao próprio aplicativo, ampliando a capacidade de identificação em tempo real durante abordagens e operações.
A Secretaria de Segurança está desenvolvendo protocolos específicos para o uso do reconhecimento facial, em parceria com universidades públicas, como a Universidade Federal do Piauí, e com o envolvimento de organizações da sociedade civil, como o Observatório da Segurança Pública.
Os dois projetos são fruto do trabalho conjunto da Diretoria de Inteligência Estratégica da Secretaria de Segurança, da ETIP e do DataSSP, núcleo que reúne especialistas e acadêmicos com foco em soluções tecnológicas para políticas públicas.
Por serem ferramentas de código aberto, o LupaApp e o FaceP podem ser replicados em outros estados interessados em adotar modelos digitais mais transparentes e eficientes.
Além disso, a Secretaria de Inteligência Artificial estuda modelos de previsão de criminalidade com base em padrões espaciais e temporais.
A proposta é antecipar riscos e permitir melhor distribuição do efetivo policial, de forma a prevenir ocorrências em áreas vulneráveis.
Estão em andamento parcerias com centros de pesquisa para calibrar os algoritmos com dados locais.
Em 2025, o governo deve implantar um painel de controle estadual para cruzar dados de segurança, educação, assistência social e saúde. O objetivo é identificar fatores de risco, especialmente entre jovens em situação de vulnerabilidade.
As centrais de videomonitoramento já operam em 120 municípios, com mais de 5 mil câmeras conectadas em rede.
O sistema, integrado ao Centro de Comando e Controle Estadual, permite resposta em tempo real a ocorrências e atua na prevenção em grandes eventos e áreas escolares.
Está em estudo a integração com sistemas federais e ações de cooperação interestadual.
A formação dos agentes passou a incluir módulos sobre análise de dados e uso responsável de tecnologias emergentes.
O objetivo é preparar o efetivo não só para reagir, mas para antecipar cenários de risco.
Com o reforço da inteligência artificial e de ferramentas como o LupaApp, o foco da segurança pública no Piauí passa a ser preventivo, baseado em evidências e orientado por dados.