A ONU se preocupa com o desrespeito no Brasil da independência do Judiciário.
Comissão de Direitos Humanos da ONU preocupada coma independência judiciária no Brasil
Os advogados não podem ser atacados por defenderem seus clientes, publica hoje a Comissão de Direitos Humanos, Procedimentos Especiais, sobre ações ilegais determinadas por um juiz, no caso o juiz Marcelo Bretas, contra os advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins, encarregados da defesa de Lula no caso da operação Lava Jato.
Transcrevemos a íntegra do comunicado da ONU a respeito:
Um especialista da ONU (Diego García-Sayán) criticou hoje a intimidação de advogados que defendem o ex-presidente brasileiro Luiz Ignacio Lula da Silva, e pediu ao Brasil que se assegurasse de que seus tribunais tratassem todos igualmente.
"Estou alarmado com uma aparente estratégia de alguns promotores e juízes de intimidar advogados por fazerem seu trabalho, particularmente quando estes defendem políticos", disse Diego García-Sayán, Relator Especial sobre a independência de juízes e advogados.
"Parece que os advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins foram visados como parte desta estratégia coordenada". Martins e Teixeira estão defendendo o ex-presidente no caso da operação "Lava Jato".
A casa de Martins e os escritórios de ambos os advogados foram revistados em 9 de setembro sob mandados de busca e apreensão emitidos pelo Juiz Marcelo Bretas, Juiz de Instrução da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro. Ele também emitiu mandados de busca e apreensão contra vários outros advogados e escritórios de advocacia em conexão com as investigações da "Lava Jato".
"A forma espetacular como a polícia realizou as buscas – com ampla cobertura de jornalistas que haviam sido avisados previamente- parece ser parte de uma estratégia destinada a desacreditar os advogados diante de seus pares, clientes e o público em geral", disse García-Sayán.
No mesmo dia, o promotor encarregado da investigação da "Lava Jato" apresentou uma acusação criminal contra Martins e Teixeira. No dia seguinte, o juiz Bretas congelou as contas bancárias dos dois advogados e as contas de seu escritório de advocacia. O Supremo Tribunal Federal está examinando a legalidade das operações de busca e apreensão e dos procedimentos legais.
"Advogados e advogadas não devem ser atacados por servir os interesses de seus clientes", disse García-Sayán. "Toda pessoa têm o direito de ser representada, e os advogados não devem ser identificados com seus clientes ou com as causas de clientes com base no desempenho de suas funções profissionais".
García-Sayán pediu às autoridades brasileiras "que adotem todas as medidas apropriadas para garantir que os advogados e advogadas sejam capazes de desempenhar suas funções profissionais sem intimidação, impedimento, assédio ou interferência imprópria".
Ele também lembrou ao Brasil que é imperativo que juízes sejam imparciais, e notou as supostas conexões do Juiz Bretas com as autoridades políticas, incluindo o Presidente Jair Bolsonaro. Em 17 de setembro, o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu por esmagadora maioria - por votação a 12 contra 1 - que o apoio aberto demonstrado pelo juiz ao Presidente do Brasil era incompatível com suas obrigações profissionais. A Ordem dos Advogados do Brasil havia iniciado um processo disciplinar contra o juiz em relação a seus vínculos com o presidente.
"Juízes não deveriam se colocar em uma posição em que sua independência ou imparcialidade possa ser questionada", disse García-Sayán. "A fim de preservar a confiança pública no sistema judicial, é necessário que os juízes se abstenham de qualquer atividade política que possa comprometer sua independência ou comprometer a aparência de imparcialidade".
"A imparcialidade é essencial para o bom desempenho da função judicial", disse García-Sayán.
O relator da ONU esteve em contato com o governo brasileiro sobre suas preocupações. O governo informou que a carta do relator especial foi devidamente transmitida às autoridades competentes.
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O Sr. Diego García-Sayán assumiu suas funções como Relator Especial da ONU sobre a independência de juízes e advogados em dezembro de 2016. Ele foi juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos por dois mandatos consecutivos. Durante seu mandato, ele foi eleito Vice-Presidente da Corte (2008-2009) e Presidente da Corte por dois mandatos consecutivos (2009-2013). Ele tem longa experiência trabalhando em questões de direitos humanos em uma variedade de ambientes, inclusive para as Nações Unidas e para a Organização dos Estados Americanos.
Relatores Especiais fazem parte do que é conhecido como os Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior corpo de peritos independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome genérico dos mecanismos independentes de busca e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Especialistas em Procedimentos Especiais trabalham voluntariamente; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independents de qualquer governo ou organização e servem em sua capacidade individual.
Por Rui Martins,correspondente na ONU,em Genebra.