Rio de Janeiro, 10 de Setembro de 2025

O terror dos inocentes

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Domingo, 07 de Janeiro de 2007 às 11:27, por: CdB

Não há nada mais perigoso para a análise que o reducionismo. Quando a violência urbana é tratada como mera questão operacional a ser resolvida por logística militar e modernização de equipamentos dos aparatos repressivos, estamos cedendo espaço a uma lógica autoritária que ignora a cidadania como conceito de mão dupla. Uma simplificação que costuma cobrar preço alto.

Debitar o terror vivido pela população carioca, ou de qualquer outro centro urbano, à ausência de uma legislação penal mais rigorosa ou a dinâmicas recorrentes em momentos de mudança de comando na área de segurança, leva-nos a esquecer um dado significativo que constitui a própria essência da nossa formação social. A tragédia da segurança pública é a tragédia de um Estado que, por nunca ter sido plenamente democrático e de direito, falhou no combate ao crime na mesma medida em que foi incapaz de implementar políticas públicas de inclusão.

A anomia, ao contrário do que muitos propalam, não é expressão de incompetência, mas o desfecho esperado de ordenamentos jurídico-políticos moldados para excluir, como sujeitos de direitos, a maior parte da população brasileira.

No Rio de janeiro, ônibus queimados e ataques a alvos policiais revelam mais que o esfacelamento do poder público. Demonstram o que dele resulta quando uma administração é usada como trampolim para as ambições de poder do marido da governadora. Nada que o velho patrimonialismo brasileiro desconheça. A estrutura de segurança, configurada para atender a interesses societários entre policiais e bandidos, também não prima pelo ineditismo. Obedece ao antigo loteamento político, onde delegacias e batalhões da PM são feudos de aliados e base da clientela. Qual a saída?

A integração das forças de combate ao crime no estado é uma necessidade inquestionável. O auxílio da Força Nacional de Segurança e o planejamento de ação conjunta dos governadores do Sudeste também são importantes. Mas se não forem implementadas políticas públicas que contemplem os que nunca foram atendidos pelo Estado em suas demandas por saúde, educação, saneamento e justiça, estaremos dando eco ao arrazoado direitista que preconiza a ação repressiva como panacéia universal.

Ampliar a presença de defensoria pública e, como destacou Flávio Aguiar, em artigo recente na Carta Maior, implementar política nacional para menores infratores, sem cair na armadilha da extensão da responsabilidade criminal são pontos cruciais para uma agenda exitosa.

Se quisermos, de fato, encarar a questão da segurança deveremos focá-la em sua dimensão mais ampla. Para além do varejo, a violência urbana é o conjunto de ações que vai da compra de armas à lavagem de dinheiro. Da infiltração nos poderes republicanos às oscilações do Índice Bovespa. Da corrupção policial aos lobistas que financiam seus representantes. No centro de tudo reside uma questão central: haverá, na sociedade dos "cidadão-contribuintes", vontade política de encarar o problema com a radicalidade que ele exige? Estamos em situação-limite onde a lógica rentista não comporta inocentes. Sejam eles pequenos aplicadores, sejam eventuais usuários de drogas.

A solução não está em milícias clandestinas, sob aplausos dos "inocentes do Leblon", contar com apoio das forças de segurança para extorquir, torturar e matar as vítimas de sempre. Quando o prefeito César Maia afirma que"os núcleos paramilitares devem ser combatidos não diretamente, mas indiretamente, com a repressão ampla, geral e irrestrita ao tráfico de drogas", que imaginário norteia a subversão completa da ordem pública? O protofascimo atávico de parcela expressiva da classe média.

São célebres os versos em que Drummond afirma que os inocentes do Leblon " não viram o navio entrar, tudo ignoram, mas a areia é quente e há um óleo suave que eles passam nas costas, e esquecem". Talvez, fora da licença poética, a embarcação dê lugar ao bonde e não seja o óleo a substância a produzir esq

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