Rio de Janeiro, 17 de Setembro de 2025

O debate do Holocausto como paradigma da intolerância

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Domingo, 24 de Dezembro de 2006 às 11:05, por: CdB

"Eles ergueram a Torre de Babel
para escalar o Céu.
Mas Deus não estava lá!
Estava ali mesmo, entre eles,
ajudando a construir a torre."
Mario Quintana, Construção, 1977


Talvez o maior de todos os equívocos, e ao mesmo tempo sua melhor exemplificação, seja o debate atual em torno do Holocausto, sua natureza e sua extensão conceitual. Discutir seu caráter único ou múltiplo na história tornou-se a chave de entendimento de inúmeras posições teóricas e políticas.

A natureza "dos holocaustos"
Aqui, nestas mesmas páginas - ou telas - da Carta Maior me foram cobrados "outros" holocaustos, para além do holocausto judaico na II Guerra Mundial. Alguns leitores cobraram inclusive o holocausto em Ruanda - fartamente citado no artigo anterior! Em outro caso, simplesmente eu mesmo errei, deixando de citar Timor Leste, um caso indiscutível de genocídio organizado por um Estado - e do qual tratei amplamente num livro recente ("O Século Sombrio", Rio de Janeiro, 2005). Contudo, o elemento central lá está, no artigo anterior: a possibilidade real e concreta do horror do holocausto se repetir no tempo presente. Este é, para mim, o elemento central do debate - sua extensão aos povos vitimados depois da II Guerra Mundial é uma questão de pesquisa, de aplicação do direito internacional e de procedimento ético em plena construção, não se tratando de processo fechado. Defender a existência de um risco continuado de matanças industriais no mundo moderno - de qualquer tipo de minoria, povo ou grupo social - é o reconhecimento da precariedade da paz e da justiça na Nova Ordem Mundial. Não ter nomeado todos os casos - embora possa ser irritante para o leitor -, a meu ver, não altera o centro da questão: a existência e multiplicidade do holocausto na história do tempo presente.

Assim, a minha recusa - o que chamei de "estupro da história" no artigo anterior - se dirige contra dois tipos de argumentos: de um lado, aqueles que consideram o holocausto uma página virada da história, sem possibilidades de repetição. Estes negam a possibilidade de tratar os genocídios de armênios, ruandenses de várias etnias, palestinos de Sabra e Chatila, timorenses, curdos ou cambojanos (ok, devo ter esquecido mais uma vez outros grupos...) enquanto holocaustos... E, por outro lado, aqueles que se recusam a aceitar a existência do brutal e maciço genocídio judaico perpetrado pelos nazistas na II Guerra Mundial - a estes, em particular, convidaria a caminhar no silêncio pelas ruelas de Auschwitz ou permanecer alguns minutos nas instalações de Dachau, como eu mesmo o fiz...

A estas posições polares junta-se o insulto de um Estado - hoje, o Estado religioso e liberticida do Irã - em tomar para si mesmo o debate historiográfico sobre a natureza dos genocídios modernos. O Estado, qualquer Estado, não deve e não pode definir o que é historicamente correto (nota 1). Este pode ser, inclusive, o caminho para novos holocaustos...

A multiplicidade dos holocaustos
O genocídio dos armênios - ao lado do genocídio dos hereros praticado pelos alemães na Namíbia - inaugurou o século XX enquanto "o século sombrio". Mais tarde, em 1937, milhares de haitianos que viviam e trabalhavam na vizinha República Dominicana foram alvo de um rompante de ódio do ditador Trujillo, que ordenou - após uma bem orquestrada campanha de nacionalismo e ódio racial - a matança de 30 mil homens, mulheres e crianças. O dramático do genocídio haitiano reside no fato que, até então, os dois povos viviam harmoniosamente em ambos os lados da fronteira. Coube ao regime de Trujillo a identificação dos haitianos como ladrões e saqueadores, acusando-os de serem a causa na pobreza da República Dominicana, abrindo caminho para os terríveis massacres que aconteceriam (nota 2).

Além de hereros, armênios, judeus e haitianos, devem se

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