Rio de Janeiro, 14 de Setembro de 2025

O buraco é mais embaixo, governador

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Sábado, 20 de Janeiro de 2007 às 10:03, por: CdB

"A consciência de uma época progride aos saltos, freqüentemente é impulsionada por sínteses inesperadas que emprestam um olho mágico à sociedade permitindo-lhe enxergar melhor a própria história.

Não por acaso Lênin dizia que política é economia concentrada. Às vezes uma simples frase ou o gesto simbólico de um líder deflagra o estalo de Vieira no imaginário coletivo. Desvenda-se a intrincada trama que os "especialistas" se esmeram em ocultar.

Em março de 1930, Gandhi iniciou a Marcha do Sal atravessando 385 quilômetros ao sul da Índia em direção à costa. Por onde passava era saudado por legiões de camponeses que engrossavam as fileiras de sua comitiva. Ao chegar no oceano seguido por milhares de pessoas, Gandhi inclinou-se apanhou um pouco de sal depositado na areia e implodiu o monopólio inglês sobre a mercadoria. O monopólio britânico do comércio do sal determinava que a venda e produção da mercadoria por qualquer um, exceto o governo britânico, era crime. Com seu gesto de desobediência civil Gandhi evidenciou, para milhões de indianos, o absurdo que era continuar respeitando uma norma tão injusta.

Acontecimentos simbólicos como esse desarticulam diferentes variáveis que sustentam a relação de forças de uma época ajudando a modificá-la. O cerne de desafios até então obscurecidos pela rede de dissimulações mantida graças a quantidades industriais de saliva, porrete e papel de imprensa, escancara-se expondo toda podridão do status quo.

Quando a perplexidade e o luto pelas vítimas concluir seu ciclo, o buraco que se abriu nas obras do metrô em São Paulo poderá servir como um desses mirantes para enxergar melhor a "rede de aço invisível" que engessa os destinos do país, mencionada en passant pelo Presidente Lula no discurso de posse, dia 1 de janeiro.

A lógica que emerge da cratera é tão assustadora e ardilosa quanto ela. Seu nome é Estado Mínimo. O sobrenome, para fins de licitação de obras públicas, é "turn key" (vire a chave), que no caso significa repassar à iniciativa privada todos os estágios de um de um acerto contratual baseado no tripé projeto/preço/prazo.

No caso da Linha 4 do Metrô, o modelo foi imposto pelo principal financiador da obra, o indefectível Banco Mundial, a mais importante usina de difusão, treinamento e reeducação neoliberal em ação no planeta. Dinheiro na verdade não é a especialidade dessa instituição. O crédito oferecido pelo banco funciona apenas como isca para enredar países, governos, técnicos e burocracias públicas - bem como algumas ONGs - na obra jesuítica de satanizar o Estado, catequizar e remodelar os aparatos públicos, os corações e mentes das elites e tecnocracias nativas, adestrando-os nas excelências do mercado e da "neutra" sociedade civil.

No Brasil o Banco Mundial implantou uma bem urdida hegemonia no modo de pensar de várias esferas do setor público. Dentro do Ipea, por exemplo -outrora uma usina de estudo e planejamento público, hoje reduzido, em grande parte, a uma caixa de ressonância dos mercados, formou-se uma tropa de choque de aplicados discípulos que funcionam como correia de transmissão do pensamento do Banco Mundial. São eles que tratam de tropicalizar os ditames da instituição empanturrando governo e colunistas obsequiosos com inesgotáveis pesquisas e estudos de recorte liberal-ortodoxo. Nesses papers volumosos apregoa-se, por exemplo, as virtudes da reforma da Previdência que pretende jogar os velhinhos, especialmente os do campo, ao relento, bem como o "focalismo" das políticas sociais, mantras que o Banco Mundial advoga como estratégias adequadas à economia recursos públicos, em substituição aos direitos universais do Estado de Bem-Estar Social.

O "turn key" é uma tecnologia de ponta desse arsenal. Uma etapa superior do pritivatismo que condensa num único contrato todos os pressupostos que o neoliberalismo preconiza para a reforma do Estado na periferia do capitalismo. O repertório, como se sabe, te

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