Janot denunciou Temer como o chefe do esquema do chamado ‘quadrilhão’ do PMDB da Câmara. Ele também acusou criminalmente, por organização criminosa, os dois principais ministros palacianos, Padilha e Moreira Franco.
Por Redação - de Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) precisa da autorização da Câmara dos Deputados para investigar e julgar o presidente da República. Mas, para prosseguir com a ação contra o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o secretário de Governo, Wellington Moreira Franco, basta que o Plenário do STF acate a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR), sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. Uma vez réus perante o STF, uma vez condenados, poderão ser presos a qualquer momento, mesmo no exercício do cargo.
Propinas
Mas, a pior notícia para Michel Temer, que figura como o “chefe da quadrilha” na denúncia de Janot, chama-se Geddel Vieira Lima. Trata-se de homem de confiança, ex-assessor direto e parceiro ao longo de 30 anos. Encontra-se, porém, recolhido a uma cela no Presídio da Papuda, há cinco dias.
— Não aguento mais uma semana — disse Geddel a interlocutores, conforme apurou a reportagem do Correio do Brasil. A mensagem chegou na velocidade da luz ao quarto andar do Palácio do Planalto.
Ao todo, mais de R$ 50 milhões foram encontrados em um apartamento frequentado por Geddel, em Salvador. Por conta das provas obtidas e do risco de fuga do réu, o juízo negou pedido de seus advogados para voltar à prisão domiciliar. Geddel estava ‘preso’ em Salvador, sem tornozeleira eletrônica ou outro tipo qualquer de verificação sobre seu paradeiro.
Na véspera, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou STF o presidente de facto, Michel Temer, pelo crime de organização criminosa e obstrução de investigações. Foi citado sob a acusação de liderar um esquema de desvio de recursos, pagamento de propina e outros delitos desde 2006 até os dias de hoje.
Organização criminosa
Janot denunciou Temer como o chefe do esquema do chamado ‘quadrilhão’ do PMDB da Câmara. Ele também acusou criminalmente, por organização criminosa, os dois principais ministros palacianos, Padilha e Moreira Franco; além dos ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves; do ex-deputado Geddel Vieira Lima e do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures.
A acusação afirma que o grupo atuou para arrecadar propina em instituições pública. Tais como Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal; ministérios da Agricultura e da Integração Nacional; a Secretaria de Aviação Civil e a Câmara dos Deputados.
“Desde meados de 2006 até os dias atuais, Michel Temer, Eduardo Cunha, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Rodrigo Loures, Eliseu Padilha e Moreira Franco, na qualidade de membros do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), com vontade livre e consciente, de forma estável, profissionalizada, preordenada, com estrutura definida e com repartição de tarefas, agregaram-se ao núcleo político de organização criminosa para cometimento de uma miríade de delitos, em especial contra a Administração Pública, inclusive a Câmara dos Deputados”, afirma a denúncia.
Em nota, a PGR disse que “Michel Temer é acusado de ter atuado como líder da organização criminosa desde maio de 2016”.
Delação
Esta é a última grande acusação de Janot à frente do comando do Ministério Público Federal. Seu mandato termina no domingo.
Segundo os cálculos apresentados na denúncia, o grupo de acusados recebeu propina no valor de R$ 587 milhões. O Tribunal de Contas da União (TCU) estimou que os prejuízos somente à Petrobras chegou a R$ 29 bilhões.
Na denúncia, Janot pede que os acusados sejam condenados a pagar este mesmo montante — cerca de R$ 587 milhões — em reparação dos danos materiais, assim como de reparação de danos morais no patamar de R$ 55 milhões.
O procurador-geral também denunciou os executivos da J&F Joesley Batista e Ricardo Saud por obstrução a investigações. Juntamente com Temer, teriam atuado para pagar propina a Eduardo Cunha e ao empresário Lúcio Funaro; para que eles não firmassem acordo de delação premiada. Funaro confirmou em colaboração recentemente homologada pelo STF essa acusação. A denúncia é reforçada pelas delações feitas por ele e outros envolvidos.
Esquema criminoso
Joesley e Saud foram presos recentemente e tiveram a imunidade penal suspensa; após investigações apontarem que eles omitiram informações da colaboração que firmaram. Janot pediu, na véspera, a rescisão do acordo dos dois por descumprimento de cláusulas. Mas as provas apresentadas por eles continuam válidas. O ministro Edson Fachin, do STF, deu dez dias para os colaboradores se manifestarem antes de decidir sobre a rescisão.
Nas 245 páginas da denúncia, Janot afirma que Temer — então presidente do PMDB — foi o “grande articulador” para a unificação do apoio do partido na distribuição de cargos no governo, ainda na época da gestão Lula. Era ele que, por exemplo, atuava para resolver eventuais obstruções em votações no Congresso comandadas por Eduardo Cunha. O procurador-geral disse que Temer e Cunha repartiam propinas.
Segundo a acusação, a relação do grupo com o governo petista foi abalada na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff com a exoneração de Moreira Franco do governo. A partir daí, houve uma atuação para derrubar Dilma e fazer Temer, vice, ascender ao comando do país em um rearranjo com forças políticas, mantendo o esquema criminoso.
Corrupção
Para ir a julgamento, a denúncia precisa ser encaminhada pelo Supremo à Câmara dos Deputados, a quem cabe autorizar ou não a corte a analisar a acusação feita por Janot. Na véspera, o STF adiou para a próxima quarta-feira uma decisão sobre se a tramitação de uma eventual denúncia de Janot ficaria suspensa até a conclusão de investigações sobre suspeita de omissão de informações no acordo de delação por executivos da J&F. A defesa de Temer apresentou nesta noite uma petição ao Supremo pedindo que a denúncia não seja enviada à Câmara dos Deputados antes de quarta-feira.
Sem fazer referência ao pedido da defesa, Fachin divulgou um despacho no qual informa que não encaminhará a denúncia imediatamente à Câmara, para aguardar o julgamento de quarta-feira.
No mês passado, a Câmara rejeitou autorizar o STF a julgar denúncia de corrupção contra Temer. A acusação foi um desdobramento da delação premiada de executivos da J&F, holding que controla a JBS.
As respostas
Temer classificou de “marcha irresponsável” a apresentação da segunda denúncia por Janot e disse que o procurador-geral coloca em risco o instituto da delação premiada.
Em texto distribuído pela Presidência da República, Temer acusou Janot de “não cumprir com obrigações mínimas de cuidado e zelo em seu trabalho, por incompetência ou incúria”.
“Ao aceitar depoimentos falsos e mentirosos, instituiu a delação fraudada. Nela, o crime compensa. Embustes, ardis e falcatruas passaram a ser a regra para que se roube a tranquilidade institucional do país”, disse o texto.
Moreira e Padilha
Em nota, Moreira Franco reiterou que jamais participou “de qualquer grupo para a prática do ilícito”.
“Essa denúncia foi construída com a ajuda de delatores mentirosos que negociam benefícios e privilégios. Responderei de forma conclusiva quando tiver conhecimento do processo”, afirma Moreira Franco.
A assessoria de imprensa de Padilha foi na mesma linha, afirmando, também em nota, que a denúncia “está amparada em delatores que, sem compromisso com a verdade, contaram as histórias que pudessem lhes dar vantagens pessoais ante o Ministério Público”.
Desse modo, continua a nota, a inexistência de provas levará o Poder Judiciário a não acolher a denúncia e decidir pela inocência do ministro da Casa Civil.
Na Papuda
A defesa de Geddel — que está preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília — rechaçou “categoricamente às imputações veiculadas na denúncia oferecida, de inegável fragilidade narrativa e probatória, reservando-se a rebatê-las em juízo, quando oportunizado o contraditório”.
Já o PMDB lamentou “mais um ato de irresponsabilidade realizado pelo procurador-geral da República”.
“Toda a sociedade tem acompanhado os atos nada republicanos das montagens dessas delações. A Justiça e sociedade saberão identificar as reais motivações do procurador”, disse o PMDB em nota.