Sem ações imediatas para reduzir emissões, mundo deve descumprir meta de limitar aquecimento global a 1,5 °C já na próxima década, diz painel da ONU. Nível do mar deve subir drasticamente, e Amazônia pode virar savana.
Por Redação, com DW - de Bruxelas
A poluição por carbono alcançou níveis tão extremos que uma meta fundamental na luta para deter as mudanças climáticas, limitar o aquecimento global a 1,5 °C até o final do século, será descumprida dentro dos próximos 15 anos a não ser que ações imediatas, rápidas e de grande escala sejam tomadas para reduzir emissões de efeito estufa.
Incêndio florestal na Turquia: mudanças climáticas tornam ondas de calor e incêndios mais intensos e frequentes
Essa é uma das principais conclusões de um relatório histórico aprovado por representantes de 195 países e publicado nesta segunda-feira pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
A análise, que vem em meio a temperaturas e chuvas recordes que abalaram tanto países ricos quanto pobres, baseia-se em mais de 14 mil estudos para avaliar a ciência das mudanças climáticas induzidas pelo homem.
Ao queimar combustíveis fósseis e liberar gases que aquecem a Terra como uma estufa, a humanidade fez a temperatura média do planeta subir 1,1 °C nos últimos cerca de 150 anos. Mundo afora, isso fez com que ondas de calor e chuvas torrenciais ficassem mais intensas e mais frequentes. Em muitas regiões, as secas estão mais intensas e duram mais tempo. Desde o último grande relatório do IPCC, de 2014, cientistas também ganharam mais certeza de que as mudanças climáticas tornaram incêndios, enchentes e tempestades mais fortes.
Há uma solução simples para evitar que as condições climáticas piorem: parar de queimar combustíveis fósseis, mas governos, empresas e indivíduos estão falhando em fazê-lo com rapidez suficiente, aponta o IPCC.
– Quando olho para os resultados que encontramos sobre os extremos climáticos, diria que estamos em uma crise climática – disse Sonia Seneviratne, cientista do Instituto de Ciência Atmosférica e Climática o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, e coautora do relatório. "Nós realmente temos um problema muito grande."
Quão rápido as mudanças climáticas estão aquecendo o planeta?
Em 2015, líderes mundiais se comprometeram no âmbito do Acordo de Paris a limitar o aquecimento global até o final do século a bem abaixo de 2 °C, idealmente 1,5 °C, em um esforço global para evitar catástrofes. Mas, em vez disso, estão seguindo políticas que colocam o planeta a caminho de um aquecimento de 3 °C, de acordo com o grupo de pesquisa Climate Action Tracker, sediado na Alemanha.
Enquanto a meta de 1,5 °C deverá ser quebrada já na próxima década, as temperaturas poderiam ser reduzidas novamente até o final do século sob o cenário mais ambicioso apresentado no relatório para reduzir a poluição. Além de descarbonizar rapidamente a economia global, seria necessário remover enormes quantidades de CO2 da atmosfera. Mas a tecnologia para fazer isso é cara, e há poucas evidências que sugerem que poderia funcionar na escala necessária.
– É muito mais fácil evitar as emissões agora do que ultrapassar nosso orçamento de carbono e ter que retirar muitas emissões da atmosfera novamente – disse Malte Meinshausen, cientista do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático e coautor do relatório.
O que as mudanças climáticas farão com o planeta?
Em todo o mundo, as chuvas extremas serão 7% mais intensas para cada grau Celsius de aquecimento global. Mais ciclones tropicais serão classificados nas categorias mais altas, 4 e 5. As chuvas de monções asiáticas cairão com mais intensidade e em períodos diferentes.
"Com cada incremento adicional de aquecimento global, as mudanças nos extremos (climáticos) continuam a se tornar maiores", escreveram os autores do relatório do IPCC.
Fortes chuvas que costumavam ocorrer uma vez por década já se tornaram 30% mais prováveis. Mas com mais 3 °C de aquecimento, elas ocorrerão duas ou mesmo três vezes por década, e farão cair um terço a mais de água. Secas que costumavam ocorrer uma vez a cada dez anos deixarão o solo infértil quatro vezes por década. Ondas de calor, que já são 2,8 vezes mais prováveis e 1 °C mais quentes do que antes da Revolução Industrial, serão 9,4 vezes mais prováveis e ficarão 5 °C mais quentes.
– O relatório expõe claramente a evidência da urgência da ação – disse Veronika Eyring, cientista de sistemas terrestres do Centro Aeroespacial Alemão e coautora do documento.
Impactos irreversíveis
Algumas das mudanças climáticas estimularão um aquecimento ainda maior. Os sumidouros naturais de carbono no oceano e em terra tornam-se menos eficazes à medida que o planeta se aquece. Temperaturas mais altas degelarão ainda mais o chamado permafrost (solo permanentemente congelado), liberando grandes quantidades de metano na atmosfera, e derreterão neve e camadas de gelo que refletem o calor para fora do planeta. É provável que o Ártico fique praticamente sem gelo marinho no mês de setembro pelo menos uma vez antes de 2050.
Cientistas dizem que o derretimento do permafrost não é suficiente para levar a uma aceleração dramática e que se retroalimenta das mudanças climáticas, mas isso tornaria a luta para estabilizar o clima mais difícil. Níveis mais altos de poluição atmosférica significam processos de retroalimentação (feedback loops) mais fortes e que se tornam mais difíceis de prever.
Também já tiveram início alguns processos que devem ser irreversíveis "por séculos ou milênios", mesmo que emissões sejam dramaticamente reduzidas. Entre elas estão o degelo do Ártico e aumento do nível do mar, que, segundo as previsões, deve ser de mais de meio metro neste século, o que já começou a tornar as inundações costeiras mais intensas e mais prováveis, mas continuará a fazê-lo no futuro.
Cientistas dizem que as incertezas na forma como as camadas de gelo respondem ao aquecimento global significam que extremos muito piores, 2 metros de aumento do nível do mar até 2100 e 5 metros até 2150 em um cenário de emissões "muito altas", não podem ser descartados.
Outro possível impacto catastrófico das mudanças climáticas que não pode ser descartado é a transformação da Floresta Amazônica em savana, aponta o IPCC.
Cada esforço de proteção climática ajuda, afirma Douglas Maraun, cientista do Centro Wegener para o Clima e Mudanças Globais na Áustria e coautor do relatório. "Cada grau, ou décimo de grau, de aquecimento que é evitado reduz o risco de eventos extremos. "
Acabar com o uso de combustíveis fósseis
As maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa que impulsionam as mudanças climáticas são carvão, petróleo e gás. Mas um resumo de 43 páginas do relatório elaborado para decisores políticos, um documento preparado primeiro pelos cientistas e depois aprovado linha por linha pelos representantes dos governos, não contém as palavras "combustíveis fósseis".
Os autores do relatório do IPCC não estão autorizados a comentar a reunião de aprovação do texto em si, que é confidencial, mas "no material que os cientistas escreveram, absolutamente, os combustíveis fósseis são mencionados", disse o cientista climático Meinshausen. Mas "mesmo perdendo algumas palavras, é uma conquista notável ter no final um acordo com todos os governos. Nenhum governo do mundo pode agora dizer que não acredita no que o IPCC escreveu."
– A ciência não foi enfraquecida no processo – acrescentou Friederike Otto, cientista climática da Universidade de Oxford e coautora do relatório.
O relatório do IPCC é a primeira de três partes e foi divulgado antes da cúpula climática COP26, a ser realizada no Reino Unido em novembro. Líderes mundiais discutirão soluções para parar de queimar carvão até 2030 e cumprir uma promessa feita pelos países ricos de pagar aos mais pobres US$ 100 bilhões por ano para se adaptarem às mudanças climáticas até 2020. Algo que até agora eles não fizeram.