Era de se esperar essa condenação unânime de Lula. Só não viu chegar quem não quis, esse o grande erro dos petistas - o de não querer ver e tentar promover a cegueira geral, insistir nas frases que não dizem mais nada, numa cegueira obsessiva, como os roedores lêmingues que, muitas vezes sem rumo, avançam sem ver os perigos e caem de penhascos ou se afogam nos rios como se cometessem suicídio coletivo. Me lembro sempre do chanceler alemão Helmut Kohl, quando procuro um exemplo de queda parecida com a do Lula. Helmut era um super-poderoso político quando foi alvo da denúncia de fraude no financiamento de sua campanha eleitoral. A comparação não vai mais longe, porque não havia corrupção e nem enriquecimento pessoal e, principalmente, porque Helmut encerrou voluntariamente sua carreira, quando a Justiça alemã reconheceu ter havido fraude, sem tentar desmoralizar os juízes e sem querer abalar o funcionamento da democracia alemã.
Como se costuma dizer, pegou seu chapéu e foi embora, E com isso evitou ser massacrado. Errar todo mundo erra, mas em certos países o erro é corrigido e punido. E com isso se evita a propagação da infeção ou a metástase. Os democratas-cristãos alemães sofreram um choque mas logo substituíram Helmut por Angela Merkel e o trauma foi esquecido e o partido voltou ao poder. O PT não tem essa largueza de espírito. Apanhado com a boca na botija, já em 2005 com o Mensalão, Lula jurou inocência e conseguiu ficar no poder, porém, em lugar de levar a sério a advertência, prosseguiu no mesmo caminho se julgando intocável e invencível.
Isso tem um nome, é uma palavra de origem grega - húbris - usada para designar aqueles que se embriagam com o poder, quando o poder lhes sobe à cabeça, donde decorre também a afirmativa de que o poder corrompe. Muitos detentores do poder sofrem de húbris e perdem a noção da realidade, situação agravada pelos que os envolvem e estimulam essa húbris. Lula sofre de húbris, outros tantos políticos já contraíram essa deformação psíquica e cometeram atos ilícitos que julgavam permissíveis para eles, por serem poderosos.
A história teria sido outra, se Lula tivesse optado pela aposentadoria e se o PT, em lugar de continuar culpando a Justiça, tivesse enfiado a carapuça, feito sua mea culpa, expulsado os envolvidos em tramóias, e nomeado gente decente, tipo Tarso Genro ou Valter Pomar, no lugar. Em vez de ficar martirizando nossa democracia com a ladaínha do "houve golpe". A insistência petista lembra doentes que rejeitam as receitas e conselhos médicos e enfisemados que insistem em tragar seus cigarros. Não fosse essa cegueira fanática, visível nas redes sociais, hoje o PT já teria seu candidato provável à presidência, ao qual Lula do seu sítio poderia dar seu apoio. Mas não, os solertes conselheiros do PT levaram o partido para o suicídio, numa espécie de masoquismo público voluntário, num gesto nada marxista mas pietista. É a húbris que fez Lula pensar num levante popular contra sua condenação e provável prisão.
O problema é que o PT se dizia de esquerda e o estrago feito irá atingir toda esquerda. Não sou só eu e o Celso Lungaretti que afirmamos isso, mas ainda hoje podemos citar reações de Cesar Benjamin e Fernando Gabeira, gente muito mais competente que nós em análise política e de esquerda.
O que chorar ao ouvir a missa do réquiem de Lula? A nossa tristeza por termos embarcado como tantos outros numa canoa furada, porque num piscar de olhos a herança de Lula-Dilma, que não tinha consistência, era um mero populismo de esquerda, já foi dilapidada, e o Brasil retorna rapidamente às desigualdades de sempre.
Após esta Nota, segue uma coluna de Celso Lungaretti e alguns trechos de um texto de Cesar Benjamin. Boa leitura. (Nota do Editor, Rui Martins)
Por Celso Lungaretti, de São Paulo:
LULA É HOJE UM PERSONAGEM NOCIVO PARA A REVOLUÇÃO BRASILEIRA
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Lula diante da Volks: greves convenientes para os dois lados? |
O certo é que sua projeção como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) se deu graças a greves sobre as quais sempre pairou a suspeita de que fossem combinadas com as grandes montadoras: querendo livrar-se do congelamento de preços que a ditadura lhes impunha, interessava-lhes que houvesse tais paralisações, dando-lhes pretexto para cobrar mais pelos veículos como forma de compensar os aumentos de salários por elas concedidos. Os ministros da Fazenda da ditadura acabavam cedendo às suas pressões e abrindo uma exceção para elas.
Lula e Brizola: rivais na disputa da hegemonia na esquerda |
Quando a economia entrou em crise e não havia mais migalhas a distribuir, eles se viram sob uma das piores recessões brasileiras de todos os tempos, daí terem assistido indiferentes à derrubada de Dilma Rousseff.
Mas, para a necessária e, mais do que nunca, imprescindível revolução brasileira, ele hoje não passa de um personagem nocivo.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.
Segue um trecho de autoria de Cesar Benjamin-
As pessoas reconhecem o difícil presente em que vivem e pressentem um futuro incerto para si e para seus filhos. A vontade de transformar as circunstâncias vigentes é clara, mas o caminho para isso permanece indefinido. A necessidade de mudar fica pendente, sem se realizar nem desaparecer. Isso é a crise.
Há muitos anos essa crise experimenta idas e vindas, tendendo a agravar-se, pois a única forma de solucioná-la —fazer o povo comandar a nação, pela primeira vez, para resgatá-la, reinventá-la e desenvolvê-la— não foi alcançada.
Nossa história recente é uma impressionante sequência de promessas frustradas, que —tudo indica— se renovarão em 2018. A política deixou de ser um instrumento de transformação, reduzida a doses cavalares de marketing e de uma infindável sucessão de pequenos acordos, tudo a serviço da conquista e da preservação de posições de poder.
O futuro que daí resulta é apenas o prolongamento do presente, pois não contém o caráter novo de um verdadeiro futuro. O país marca passo, sem sair do lugar. Sob esse ponto de vista, nossos partidos políticos são todos iguais.
Em vez de políticos que se adaptam ao que a sociedade é, ou parece ser, precisamos de líderes que aceitem correr o risco de pensar no que ela não é, nem parece ser, mas pode vir a ser. Para que possamos despertar qualidades novas que estejam latentes.
Onde eles estão?
César de Queiroz Benjamin é um cientista político, jornalista, editor e político. Durante a ditadura militar (1964-1985), participou da luta armada contra o regime, foi perseguido, preso e exilado. Cofundador do PT, foi também filiado ao PSOL, tendo se desligado dos dois partidos. Atualmente é o editor da Contraponto Editora, colunista da Folha de S. Paulo e secretário da Educação na cidade do Rio de Janeiro.
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