João Batista Franco Drummond tinha 34 anos. Ângelo Arroyo, militante operário da greve dos 300 mil de 1953 e comandante da guerrilha do Araguaia, 48. Pedro Pomar, que já havia enfrentado a repressão do Estado Novo, 63. Em 1976, os três foram vítimas de uma das ações mais violentas da ditadura militar. Após uma reunião do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a repressão prendeu e torturou por diversos dias várias lideranças do partido, entre elas, Aldo Arantes, Haroldo Lima, Elza Monnerat, Joaquim Celso de Lima e Wladimir Pomar. João Batista Drummond não resistiu aos espancamentos que sofreu nas dependências do DOI-Codi. Morreu. Na manhã do dia seguinte, o exército invadiu a casa na Rua Pio XI, 767, onde havia acontecido a reunião, e assassinou Ângelo Arroyo e Pedro Pomar. A versão oficial dos fatos disse que ambos haviam resistido à prisão e morrido num tiroteio, mas não havia armas na casa. Pomar recebeu cerca de 50 tiros.
Um ano antes, a ditadura praticamente havia exterminado os movimentos revolucionários. Em 1975, morrem o jornalista Wladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, e o general Dilermando Monteiro assume o comando do II Exército com a promessa de que a tortura acabaria. Em teoria, começava aí a abertura "lenta e gradual". A ação que exterminou duas das maiores lideranças do PCdoB, no entanto, mostrou o quanto a violência da ditadura ainda estava viva. Naquele ano, o partido, um dos principais responsáveis pela Guerrilha do Araguaia, era a única organização clandestina que ainda se mantinha organizada.
É essa a história contada em detalhes no livro Massacre na Lapa, de Pedro Estevam da Rocha Pomar - neto do dirigente morto em 76 -, cuja terceira edição foi lançada nesta quarta-feira, em São Paulo. Um ato público realizado no Sindicato dos Jornalistas, no último dia 16, marcou os 30 anos do crime e cobrou a punição dos responsáveis.
- Fui um dos que participou da reunião. No dia 15 à noite, fui preso e torturado no DOI-Codi. Depois, me transferiram para o Rio. Lá passamos cerca de dez dias. Mas ao todo fiquei isolado 37 dias. Só depois que quebraram a minha incomunicabilidade que fiquei sabendo que meu pai tinha sido assassinado. Achava que ele também estava preso. Fui torturado o tempo todo. Perdi a noção do tempo. Mas minha preocupação sempre foi saber como descobrir o traidor. Desde o começo tinha a intuição de que a reunião tinha caído por traição - conta Wladimir Pomar.
O traidor que permitiu o assalto à casa da Lapa era um dos membros do Comitê Central do PCdoB: Jover Telles. Preso pouco tempo antes, ele concordou em colaborar com os órgãos de repressão em troca de bom tratamento e emprego. Por causa da delação de Telles, Wladimir Pomar ficou preso mais de dois anos. Só foi solto em 1978 - após julgamento que o condenou a cinco anos de detenção -, quando o processo de distensão estava mais avançado.
- O esforço para que o povo brasileiro conheça esta parte da história não é uma questão de vingança, de revanche. O povo precisa conhecer sua história do ponto de vista cultural e político, para que evite cair nos mesmos erros do passado. E este período da ditadura foi uma parte importante da história do Brasil. Em nosso país, infelizmente, se montou um sistema ditatorial que teve uma sofisticação no processo de tortura. Relembrar isso faz parte do processo de educação do nosso povo - avalia Wladimir Pomar.
Mulher Wladimir, Raquel Pomar se emocionou durante o ato que marcou os 30 anos do massacre na Lapa
- Pra mim, o dia 16 foi horrível. Fui pegar o jornal na porta de casa, em Belém, onde morava como clandestina, e vi na primeira página: "Deputado paraense é fuzilado em São Paulo". Sabia que o único deputado paraense era meu sogro. Aí também fiquei sabendo que meu marido tinha sido preso. Morava sozinha com meu filho menor, que na época tinha 9 anos. Foi horrível porque tive, com o sogro assassinado e a família morando toda fora do Pará,