Não resta dúvida de que, se alguém alguma vez mereceu a pena de morte, este alguém foi Saddam Hussein. Era um ditador sanguinário que não hesitava em exterminar, sem piedade, adversários políticos e religiosos. Dito isto, a pergunta se impõe: a execução desse homem foi um ato de justiça, um erro, ou as duas coisas?
As respostas variarão. Em primeiro lugar estão aqueles que, por razões humanitárias, se opõem à pena de morte em geral, qualquer que seja o caso. Esta é uma controvérsia antiga e com fundamento: no caso da criminalidade comum, as estatísticas mostram que não há redução por mais numerosas que sejam as execuções. Mas este não é o ponto principal.
O ponto principal é a execução no contexto da guerra do Iraque. Uma guerra para a qual pode se aplicar o título de uma das peças de Shakespeare: A Comédia dos Erros, mudando "comédia" para "tragédia". Porque aparentemente nada dá certo nesta operação bélica, que a própria opinião pública americana tem rejeitado repetidamente. Não sem razão. Os critérios que levaram à invasão são, no mínimo, nebulosos. Armas químicas? Não existiam. Democracia? Mas os Estados Unidos nunca invadiram o Chile de Pinochet, por exemplo, que não foi muito menos sanguinário que Saddam. Além disto, este tinha sido um antigo colaborador do governo americano.
Claro, Saddam foi julgado por um tribunal iraquiano de uma maneira justa, ao que tudo indica. Mas também é óbvio que este julgamento teve o apoio norte-americano. O risco que existe agora é de transformar o bandido num mártir, cuja imagem servirá de bandeira para o prosseguimento do conflito. E aí as conseqüências são imprevisíveis.
Shakespeare também tem uma peça chamada Bem Está o que bem Termina. Certamente foi nisto que os Estados Unidos pensaram quando adotaram a iniciativa de invadir o Iraque. Por enquanto, estamos mais perto da comédia (ou tragédia) dos erros. Shakespeare certamente gostaria que mudasse a peça em cartaz.
Moacyr Scliar é escritor.