Rio de Janeiro, 15 de Setembro de 2025

José Genoino, aquele que optou pelo ostracismo

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Sexta, 29 de Setembro de 2017 às 08:57, por: CdB

"Quando ingressei na política, com a minha escolha radical de fazer uma política revolucionária. Mesmo correndo risco de ser preso e tudo, foi esse o caminho que escolhi para mim. Eu radicalizei e me propus a seguir firmemente esse caminho".

José Genoino
Por Maria Fernanda Arruda - de João Pessoa

 

Genoino escreveu uma história de vida que esteve em vários momentos próxima demais de Lula e de Jose Dirceu. Mas que difere das que fizeram seus dois companheiros . Mais  do que deputado federal ou presidente do PT, ele foi e é um guerrilheiro.

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Genoino deixa o presídio da Papuda, a caminho de uma audiência Maria Fernanda Arruda é colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras

Nordestino, nascido em Várzea Grande de Quixeramobim, viveu em Encantado, um vilarejo e depois em Senador Pompeu, uma cidade grande, de dez mil haitantes. Aprendeu a ler ensinado pela Mãe, trabalhou na roça e viveu na casa paroquial, sob a guarda do padre local, que o fez  estudar. Genoino não teve a experiência do menino Lula, na boléia de um caminhão:

"Sou o filho mais velho de uma família de onze irmãos. Por ser o primeiro, trabalhei muito na roça com o meu pai. Vivíamos em uma casa pequena, fazíamos derrubadas de mata, plantávamos ecolhíamos. Minha mãe era obcecada comigo para que eu estudasse.

Araguaia

“Meu pai, que é lavrador analfabeto, não tinha essa percepção, mas ela era obsessiva, insistente nessa questão. Tanto é que conseguiu me alfabetizar sozinha. Aos 15 anos, quando eu fui estudar nessa cidade, calcei sapatos pela primeira vez. Eu não sabia andar de sapato".

A opção de vida foi pela Revolução e Genoino tornou-se político para fazer a revolução. Foi líder estudantil, ingressou no PCdoB. integrando-se aos "guerrilheiros do Araguaia". Capturado e mantido por cinco anos em prisão: "Foi muito duro para mim acompanhar a guerrilha pela prisão,sendo interrogado sobre fotografias de companheiros mortos. Eu via cabeças decepadas, eu via cabeças com tiro, eu via tantas fotografias... Eles arrancavam a cabeça dos guerrilheiros e mostravam só o slide colorido".

Liberado em 1977, anistiado em 1979, Genoino participou da fundação do PT. O que ele comenta sobre isso e sobre Lula resume o que os uniu e o que os separava:

"E o Lula era um sindicalista despolitizado e criticava a Esquerda. Eu tive a oportunidade de conversar com ele pela primeira vez no sindicato, em 79, quando se começou a discutir a formação do PT. E foi nesse encontro que surgiu aquela famosa história que ele sempre repete, do momento em que virei para ele e disse: “esse partido aí, é tático ou é estratégico?”.

Conservadorismo

E ele: “não interessa, eu quero é o partido”. E ele sempre falava que não tinha a menor idéia do que é tático ou estratégico. É o partido e ponto". Em palavras muito simples fica traçado o pragmatismo de Lula; e pronto.

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Deputado federal por São Paulo, Genoino foi constituinte, um dos poucos a lutar por uma Constituição democrática, enfrentando os que estavam prontos a ceder e conceder, como no caso da definição de responsabilidades das Forças Armadas, quando se atribuia a elas a missão de defender a lei e a ordem. Observação ainda muito atual, ele considera que naquele momento teria sido possível a formação de um bloco que se opusesse ao conservadorismo dos senhores da casa grande:

"E eu acho que ali foi uma grande oportunidade histórica que nós perdemos de fazer um bloco social e político da Esquerda ao Centro moderno, que realizasse mudanças no Brasil. Aquela cisão, na medida em que o PSDB optou para ser uma alternativa ao PT, ele fez uma opção à Direita e isso cristalizou um caminho que agora éinevitável e vai até o fim. A história resolveu este dilema político".

Campanha

Importante destacar aquilo que distingue o político consciente e maduro do imediatista que aceita acomodações. Genoino tem muito claro que o PSDB optou pela direita, pondo-se como alternativa ao PT, o que não tem retorno. Não há o que conversar e compor com Fernando Henrique Cardoso. Admitir isso, como tem sido feito, é  equívoco obscurantista. A mesma maturidade política o levou a defender a revisão constitucional em 1993, no que esteve sozinho: "Como eu era minoria neste contexto, minha campanha para deputado, em 94, foi praticamente uma campanha de um dissidente".

Jose Genoino foi se tornando a consciência crítica do PT. Não se acomodou àquilo que denominou "taticismo eleitoral", quando começaram a ser pedidos os canais de comunicação com a base social e políica do partido. Os equívoco marcaram os primeiros momentos do governo Lula: "acabamos anistiando o governo a que nos propunhamos a suceder... O Governo fez o correto, mas deveria ter ido além na avaliação do governo anterior".

A "Carta aos Brasileiros" deixa muito claro que a eleição de Lula foi possível graças à moderação, à negociação. Não foi eleito um presidente revolucionário.

Coletivo

Mesmo tendo se mantido um revolucionário, criticando os caminhos da concessão e dos acordos, Genoíno foi levado à presidência do Partido, possivelmente uma decisão pessoal equivocadamente otimista:

“Disse que poderia presidir o PT com representação e articulação política, ou seja, como representante legal do partido. Eu não iria, portanto, cuidar de pessoal – e por isso não acompanhava as nomeações indicadas pelo PT no Governo. Também não acompanharia a administração nem as finanças do PT, até porque eu sempre tive muita dificuldade com administração financeira. Meu negócio seria cuidar apenas da parte política.  As pessoas já conheciam o meu perfil, a minha história”.

Em seu depoimento, anotado por Denise Paraná, no livro "Entre o  sonho e o poder", Genoíno confessa ter cometido muitos erros, privilegiando os desafios de representação política, não enfrentando a tendência à burocratização e ao personalismo que sufocavam o coletivo:

— Não conseguimos criar mecanismos que dessem mais oxigênio para a vida partidária, nem fortalecemos a co-responsabilidade dos órgãos coletivos do partido... a minha maior responsabilidade enquanto presidente do PT foi a de não ter tomado todas as medidas políticas exigidas pela nova fase em que o partido vivia. Não tinha conhecimento, nem procurava ter, do volume, nem dos detalhes, nem tampouco dos métodos de levantamento de recursos financeiros. 

Alianças

Jose Genoíno foi condenado pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha pelo Supremo Tribunal Federal em 9 de outubro de 2012. O ministro Joaquim Barbosa outorgou-se o direito de "presumir", faltando a ele quaisquer competências que lhe permitissem saber quem condenava: de qualquer forma, ao Supremo Tribunal Federal não agradam as figuras de revolucionários.

Antes do indulto que lhe concederam Dilma Rousseff e o STF, ele se aceitou e recolheu-se ao silêncio dos que foram convidados ao ostracismo: nem o PT, nem Lula,  nem Jose Dirceu, ninguém esteve ao seu lado. Sim os amigos e admiradores apenas. Não se ouve mais a sua voz, mas ela nos diria ainda palavras sábias:

“Penso que o PT pode sofrer uma diminuição em sua votação tradicional e que iremos assistir a um rearranjo no sistema político partidário do país. Teremos, no meu ponto de vista, que intensificar as alianças à Esquerda e ganhar o centro. O ideal seria que fizéssemos um bloco mais permanente, na forma de uma frente com o PSB e com o PCdoB. Esse período de reformulação do PT será um processo mais longo e extrapolará o período das próximas eleições”.

Saúde, José Genoíno, guerrilheiro,brasileiro.

Maria Fernanda Arruda é escritora e colunista do Correio do Brasil.

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