Rio de Janeiro, 18 de Setembro de 2025

As ideologias que permeiam o Brasil

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Sexta, 25 de Agosto de 2017 às 12:01, por: CdB

Enfim, o nacionalismo desenvolvimentista, “a ideologia típica das forças novas, que se acham identificadas com o processo de decolagem econômica do Brasil.

 

Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro

 

O mundo do "coronelismo, enxada e voto", o mundo do Brasil rural, aquele que se esqueceu da "revolução industrial", escondida sob as barbas do Imperador, sobreviveu ainda na primeira metade do século XX. Só a partir de 1960 aconteceu, e muito depressa, o êxodo para as cidades. E foi quando o mandonismo dos donos das terras foi feito obsoleto, não sabendo como se opor ao populismo que se fazia ouvir nas falas dos comícios de praça-pública, com Ademar de Barros, Hugo Borghi, Jânio Quadros. Esse populismo teve seu momento mais alto com Jânio Quadros levado à Presidência da República e foi relembrado, como pesadelo psicodélico, com Collor de Melo.

Ainda durante a década dos anos 50, é verdade que foi se consolidando um pensamento de "esquerda", de traços puramente acadêmicos, com Caio Prado Jr. e com Florestan Fernandes, propondo a análise marxista da realidade brasileira, ao lado dele tendo nascido em São Paulo uma "democracia cristã" (em 1945, o professor Cesarino Junior fundou em São Paulo o PDC, com a participação de Franco Montoro, Queirós Filho, Plínio de Arruda Sampaio), que não ultrapassou os limites geográficos do Estado.

Massa de manobra

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Maria Fernanda Arruda é colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras

Os democrata-cristãos e os comunistas poderiam ter contribuído para que a prática política não permanecesse limitada à pobreza do imediatismo ou do dogmatismo, mas não souberam ou não quiseram fazê-lo. Quanto ao "trabalhismo" de Vargas, existiu até o seu fim em função da figura carismática de seu criador. Alberto Pascoalini e Fernando Ferrari poderiam ter modernizado esse trabalhismo, mas não venceram as forças de João Goulart e Ivete Vargas.

Quanto às elites, concentraram-se de fato na UDN – União Democrática Nacional, tendo durante a década um grande líder-comandante,Carlos Lacerda. Foram elas que encararam as classes sociais reunidas nos centros urbanos enquanto massa, arquitetando para ela um discurso moralista, de negação radical do "getulismo", pregando a luta contra a corrupção e o "peleguismo", que seriam as armas usadas pelo "inimigo". A UDN empenhou-se em reduzir as populações urbanas a massa de manobra, influenciável por palavras fortes, despreocupadas do mundo real, pronunciadas com solenidade, mergulhadas em moralismo tosco.

Liberalismo arcaico

As elites, conservando seu desprezo pelo povo, só conseguiu vê-lo como massa, agrupamento de gente marcado pelo “evanescimento da personalidade consciente, predominância da personalidade inconsciente, orientação por via da sugestão e de contágio de sentimentos e das ideias num mesmo sentido...” Por consequência, “a massa é extraordinariamente influenciável, e crédula, é acrítica, o improvável não existe para ela”. Durante todos esses anos, o discurso das elites, feito por seus representantes, então sob a liderança de Carlos Lacerda, só fazia sentido para uma classe média assustada e histérica, acreditando nos demônios do comunismo, do ateísmo, comportando-se como filha da "guerra-fria".

A incapacidade em pronunciar um discurso compreensível e aceitável pelo povo levava as elites a um esvaziamento político que foi se acentuando em progressão geométrica. Partido político de grande expressão no primeiro momento, logo depois da “redemocratização”, a UDN, reunindo os defensores de um liberalismo arcaico, foi perdendo expressão durante os anos cinquenta, superada de longe pelo PTB de Vargas.

Disputas eleitorais

As elites foram derrotadas nas eleições presidências, em 1945, 1950 e 1955. Foram deixando de ter representação no Congresso. Logo se deu conta de que jamais chegaria ao poder através do voto popular, com o que e cada vez mais passou a cultivar a ideia de um golpe militar que levasse a uma ditadura amoldável aos seus interesses. Ficavam nítidas e cada vez mais as figuras que foram mais adiante estigmatizadas pelo ditador Castelo Branco: as "vivandeiras de quartel".

O governo Juscelino Kubitschek foi violentamente contestado já no seu nascedouro, com as tentativas abortadas de golpe, tentando evitar a sua posse. O PSD, partido político que desde sua criação havia se proposto ao pragmatismo do dia-a-dia do exercício do poder, soube reconhecer que o mandonismo não o sustentaria, sendo necessário criar formas de diálogo e convencimento das populações urbanas cada vez maiores e decisivas nas disputas eleitorais.

‘Consciência das massas’

Era necessário o discurso, a formulação e divulgação de uma proposta que motivasse esse povo, uma ideologia. Isso foi feito pelo ISEB - Instituto Superior de Estados Brasileiros: a classe empresarial (burguesia industrial) assumiria a responsabilidade por um projeto de desenvolvimento nacional, unindo em torno dela o proletariado urbano e rural, a classe média e o latifúndio mercantil.

Esta união de classes deveria por sua vez ser obtida por inspiração de uma ideologia nacionalista, identificável como “consciência das massas”. A ideologia nacionalista deveria construir-se como um “pensamento brasileiro”, que resultasse de um “projeto teórico-ideológico, de natureza totalizante”; usando-se para isto da sociologia, da política, da economia, da história e da filosofia.

Tratava-se de uma “ideologia síntese”, a ser construída por um grupo de intelectuais, numa ação interdisciplinar, que seria tanto mais eficaz (do ponto de vista político-social) e verdadeira (do ponto de vista epistemológico) quanto mais rigorosa fosse a sua fundamentação ou embasamento teórico e científico. Palavras que lembravam, não por coincidência simples, aquelas que tinham sido pronunciadas no passado pelos Integralistas.

Prestígio político

Hélio Jaguaribe, sociólogo, historiador, empresário, foi uma figura típica da segunda metade dos anos 50, compondo preocupações intelectuais com interesses empresariais, filho de família rica, uma biografia em suas linhas gerais semelhante à de Augusto Frederico Smidth, poeta modernista, amigo de Juscelino Kubitschek, dono de rede de supermercados, embaixador do Brasil, conselheiro do Presidente. Hélio Jaguaribe foi um aglutinador de pessoas começando com as reuniões do chamado “Grupo de Itatiaia”, reunindo nomes de prestígio. Criou inicialmente o IBES – Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política, tendo se aproximado de Juscelino Kubitschek, apoiando sua candidatura e participando em seguida de seu governo.

Desde o início, compôs-se como um grupo muito heterogêneo, tendo participado dele: Álvaro Vieira Pinto, Alberto Guerreiro Ramos, Augusto Frederico Schmidt, Atílio Vivacqua, Horácio Lafer, João de Scantimburgo, Flamínio Fávero, Levi Carneiro, Lucas Lopes, Pedro Calmon, Roberto Campos e vários outros. Muitas dessas figuras tiveram a sua participação limitada ao primeiro momento, ainda quando parecia possível que o Instituto iria adquirir prestígio político considerável.

O IBES deu origem ao ISEB – Instituto Social de Estudos Brasileiros, que veio a assumia um ideário que era inaceitável para muitos, ora parecendo muito radical, ora sendo rejeitado por outros, que encontravam no mesmo ideário apenas a somatória de equívocos elementares.

Celso Furtado

Enfim, o nacionalismo desenvolvimentista, “a ideologia típica das forças novas, que se acham identificadas com o processo de decolagem econômica do Brasil: a burguesia industrial, a classe média urbana tecnológica, a classe média rural tecnológica e o proletariado não cartorial.”

O nacionalismo desenvolvimentista não conseguiu ser a tônica do governo orientado por um "Plano de Metas" estruturado por Roberto Campos. Esvaziou-se no tempo, ferido de morte por seu equívoco/pecado original: não havia aquela burguesia industrial modernizante - e nisso fica o momento de lucidez na análise de Fernando Henrique Cardoso, no seu livro "Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil", de 1964.

Numa analise ortodoxamente marxista (e daí o pedido para o esquecimento, feito em mais adiante), fica desenhada com realismo a figura menor desse empresário brasileiro, que jamais assumiria um projeto como o que foi empreendido pelos pensadores do ISEB e até mesmo por Celso Furtado. Os anos imediatamente seguintes, iniciado a década dos 1960, levaram à radicalização que por sua vez conduziu à Ditadura de 1964.

Maria Fernanda Arruda é escritora e colunista do Correio do Brasil.

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