Holocausto fasci-nazista é personagem central da história. Negado e afirmado. Ocorre que, para avaliarmos e sermos justos diante do holocausto, carecemos de três valores simultâneos: crermos no mal, superarmos interesses de grupo e curtirmos a poesia.
Ainda outra vez o holocausto fasci-nazista é personagem central da história. Negado e afirmado. Agora com holofotes maiores, em razão da voz midiatizada do presidente do Irã e dos que o seguem ou pensam como ele. Noutros momentos, as imagens do cinema foram também fortes para afirmar o assassinato de aproximadamente 6 milhões de cidadãos de origem judaica, ao lado de prisioneiros soviéticos, políticos de diversas nações, ciganos, sacerdotes piedosos e outros grupos de pessoas. Possivelmente o fenômeno histórico, ainda que negado, sempre retornará como testemunha das ideologias e do desamor de que humanos são capazes. Ocorre que, para avaliarmos e sermos justos diante do holocausto, carecemos de três valores simultâneos: crermos no mal, superarmos interesses de grupo e curtirmos a poesia.
O mal encarnado no holocausto ocorrido entre 1939 e 1945 não foi fatalidade; ao contrário, ocorreu como negócio corporativo, apoiado politicamente, com objetivos e metodologia próprios. Daí a sua grandiosidade. Afora erros e variações, cada atitude de soldados e oficiais, cada regulamento de campo de concentração sinalizava o negócio da morte, da espoliação e mesmo do botim de guerra. Diríamos, hoje, que foi uma política que visou a "solução final" do "problema" judaico, e ao mesmo tempo de outros grupos incômodos ou repugnantes ao gosto e ao projeto nazista. O mal assim grandioso termina por criar um enorme vazio, inclusive de ícones, por exemplo as sepulturas. No lugar de sepulturas, somente cinzas e memória, a leveza levada pelo vento e a poética. Quem cruza e medita pelos blocos, crematórios, paredão de fuzilamento e câmaras de gás de Auschwitz, quem visita o cemitério judaico de Varsóvia ou os guetos de algumas grandes cidades do leste europeu, faz dois movimentos mentais: vê a metodologia plenamente organizada do horror e ao mesmo tempo dela somente escapa pela poética. Esta surge nas imagens da mais simples piedade de pessoas que arriscaram a vida no ato piedoso, nas memórias escritas, nas imagens rabiscadas das paredes, nos marcos tão humildes quanto dolorosos.
A poesia rompe o consenso e o conformismo para dizer "não". Haverá maior negativa do que um texto como este, no monte de pedras do cemitério de Varsóvia, que lembra a morte das incalculáveis crianças?: "A avó A (retirado o nome) tinha 20 netos e deles somente restei eu. A avó B tinha 15 netos e deles unicamente restei eu. Assinado: x" Ou a memória das falas e prantos infantis quando das brutais separações de suas mães diante dos vários campos de concentração, relembradas no melhor livro de história de 2006, de Laurence Rees, Auschwitz, the nazis and the 'final solution'. É poético o gesto dos poloneses, que todos os dias ainda depositam flores e acendem velas diante do paredão onde foram massacrados seus avós, tios e amigos.
Diante do sucesso do mal organizado, a fé numa poética negadora da leviandade, do desamor e do conformismo é o caminho para a superação dos interesses e tendências que capitalizam em nome do esquecimento e da massificação. Aí pode nascer a atitude que Paulo Freire relata de um encontro com D.Paulo Arns em Genebra, anos 70: a coragem do risco, o risco do testemunho. Depois disso, podem diminuir no mundo os holocaustos, genocídios e males similares. Ainda que não houvesse novos filmes sobre o tema ou poderosos dissessem o que bem quisessem.
Rio de Janeiro, 11 de Setembro de 2025

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