Um levantamento sobre os valores recebidos pelos Bolsonaro, ao longo da carreira política dos familiares do presidente, “joga luz sobre essas movimentações e seus números, que hoje estão nas mesas dos investigadores".
Por Redação - de Brasília
Suspeitos de praticar o mecanismo criminoso conhecido como ‘rachadinha’, quando o parlamentar fica com parte dos salários pagos aos servidores públicos, em seus gabinetes, os integrantes da família chefiada por Jair Bolsonaro, presidente da República sem partido, destinaram algumas dezenas de milhões ao pagamento de funcionários. O caso está em fase de investigação tanto no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPE-RJ) quanto no Ministério Público Federal (MPF).
Com três filhos em cargos legislativos, o clã de Jair Bolsonaro se consolida no poder e movimenta milhões de reais em pagamentos suspeitos
Um levantamento sobre os valores recebidos pelos Bolsonaro, ao longo da carreira política dos familiares do presidente, “joga luz sobre essas movimentações e seus números, que hoje estão nas mesas dos investigadores. Do total pago aos 286 funcionários que o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos mais velhos contrataram em seus gabinetes entre 1991 e 2019, 28% foi depositado na conta de servidores com indícios de que efetivamente não trabalharam”, relata a reportagem da revista semanal Época, na edição liberada aos assinantes, nesta sexta-feira.
“É como se de cada R$ 4 reais pagos, mais de R$ 1 fosse para as mãos de pessoas que hoje, em grande maioria, são investigadas por devolver parte dos vencimentos aos chefes. Ao menos 39 possuem indícios de que não trabalharam de fato nos cargos - 13% do total”, revelam os jornalistas Juliana Dal Piva, Pedro Capetti, Juliana Castro, Marlen Couto, Bernardo Melo, João Paulo Saconi e Rayanderson Guerra, que assinam a reportagem na publicação das Organizações Globo.
Gabinetes
De acordo com o texto, “enquanto recebiam como funcionários, esses profissionais tinham outras profissões como cabeleireira, veterinário, babá e personal trainer, como é o caso de Nathalia Queiroz, filha de Fabrício Queiroz, apontado pelo MP como operador do esquema da rachadinha no gabinete de Flávio. Juntos, os 39 receberam um total de 16,7 milhões em salários brutos (o equivalente a R$ 29,5 milhões em valores corrigidos pela inflação do período) durante o período em que trabalharam com a família”.
“No grupo de pessoas que constaram como assessores, mas possuem indícios de que não atuavam nos cargos, 17 foram lotadas exclusivamente no gabinete de Flávio Bolsonaro, outros dez no de Carlos, ambos alvos de investigação do Ministério Público. No gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro, três funcionários constam na lista. Há, ainda, outros nove que passaram por vários gabinetes do clã, parte do modus operandi hoje apurado pelo MP”, acrescenta a apuração.
Mulher de Fabrício Queiroz, Marcia Aguiar e a filha Nathália Queiroz são citadas como “casos emblemáticos desde o início das investigações. Márcia se declarava cabeleireira em documentos do Judiciário em 2008 e Nathalia é conhecida entre atores e personalidades públicas por seu trabalho como personal trainer. Cada uma das duas recebeu ao longo de uma década um total de R$ 1,3 milhão atualizados pela inflação, mas nunca tiveram crachá na Alerj”.
Salário bruto
“Mas a maior parte dos casos está na família de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro. A maioria é investigada pelo Ministério Público nos casos de Flávio ou no de Carlos. No caso dos 10 assessores de Flávio que são parentes de Ana Cristina, o MP descobriu que eles sacaram até 90% dos salários no período em que constaram como servidores, num total de R$ 4 milhões. A história de Andrea Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina e ex-cunhada de Bolsonaro, é o ponto mais extremo da curva. Desse grupo, ela é quem mais recebeu”, relatam os repórteres.
Ao longo de duas décadas, entre os gabinetes de Jair, Carlos e Flávio, Andrea exerceu cargos comissionados e recebeu em salário bruto R$ 1,2 milhão (R$ 2,25 milhões, corrigido pela inflação). “Fisiculturista, ela mantinha uma rotina de malhação de duas a três vezes por dia na academia Physical Form. Nos intervalos, atuava como faxineira em residências e vivia em uma casa construída no fundo do terreno onde moram seus pais. Mas seguia trabalhando como faxineira e com grandes dificuldades financeiras”, acrescentam.
— Ela também me ajudou com faxina na academia. Ela faz esse tipo de serviço aqui na academia — afirmou aos jornalistas Renata Mendes, dona da nova academia que Andrea frequentava em Guarapari, no Espírito Santo. Procurada, disse que não tinha nada a declarar.
Filho ’02'
“Em seguida, surge, o veterinário Francisco Siqueira Guimarães Diniz, de 36 anos, primo de Ana Cristina. Ele tinha apenas 21 anos quando foi nomeado em 2003 e ficou lotado no gabinete de Flávio por 14 anos. Recebeu um total de R$ 1,2 milhão - R$ 1,95 milhão, corrigido pela inflação. Em 2005, ele começou a cursar a faculdade de Medicina Veterinária no Centro Universitário de Barra Mansa, cidade a 140 quilômetros do Rio e próxima a Resende”, contabilizam.
A dona de casa Ana Maria Siqueira Hudson, tia de Ana Cristina, também aparece na reportagem. “Ela foi nomeada no gabinete de Flávio em 2005 e ficou lotada até meados de 2018. Ela obteve um total de R$1,22 milhão (R$ 1,85 milhão, corrigido pela inflação). Nesse período, ele sempre viveu em Resende e, por um período, cuidou de uma loja de decoração da família. Ela é mãe de Guilherme de Siqueira Hudson, que constou como chefe de gabinete de Carlos por 10 anos quando também vivia em Resende e sequer teve crachá da Câmara de Vereadores. Ambos são investigados pelo MP”, revela a publicação.
Na lista dos 10 mais bem remunerados figura, ainda, Marta Vale, cunhada de Ana Cristina. Ela sempre morou em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e constou como assessora de Carlos Bolsonaro na Câmara de Vereadores do Rio entre 2001 e 2009. Nunca teve crachá funcional e, procurada pela reportagem da revista, no ano passado, e por repórteres do Correio do Brasil, nesta manhã, para confirmar, ou negar as informações, ela repetiu que nunca trabalhou para Carlos Bolsonaro. Ao todo, ela recebeu R$ 550 mil em salários (R$ 1,2 milhão, corrigido pela inflação). Hoje é investigada no procedimento do MP sobre o segundo filho do presidente, o ’02’, como é conhecido.
Sem crachá
Em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, “vive outra família que lidera o ranking de parentes nomeados e de valores recebidos no gabinete da família Bolsonaro. Lá moram Edir e Neula Góes. Ela constou como assessora de Carlos de 2001 até fevereiro deste ano. Ele está nomeado desde 2008. Ele já obteve vencimentos brutos da Câmara num total de R$ 1,3 milhão (R$ 1,7 milhão, atualizado) — Neula, de R$ 956 mil (R$ 1,5 milhão, corrigido)”, afirma o texto.
“Marcia Salgado Oliveira, tia do ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, apareceu nos registros da Alerj como funcionária de Flávio de 2003 até fevereiro de 2019. Em 2014, porém, num processo que tramitou no Juizado Especial da Comarca de Mesquita, na Baixada Fluminense, quando acionou uma empresa de telefonia, Márcia apresentou uma procuração escrita de próprio punho, na qual informou que sua ocupação era “do lar”.
Além disso, em 16 anos, ela jamais teve crachá emitido pela Alerj. Ela recebeu um total de R$ 1 milhão (R$ 1,6 milhão, corrigido). Procurada, não se pronunciou”, conclui.