Um dos tucanos mais à direita, Bonifácio de Andrada (PSDB-MG); além de devedor contumaz de impostos, integra o grupo de Aécio Neves.
Por Redação - de Brasília
Aumentou, significativamente, a temperatura interna no ninho tucano. Não bastasse o escândalo de roubalheira que afastou o senador Aécio Neves (MG) de seu mandato, a bancada tucana da Câmara não disfarça mais o desconforto com a escolha do relator para a denúncia contra o presidente de facto, Michel Temer. O deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) cerra fileiras com a família Neves, há gerações; além de ser um devedor contumaz de impostos.
Até semana passada, Andrada era alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita da prática de dois crimes relativos a débitos com a Previdência Social. Ele já havia sido denunciado pelo Ministério Público. Bonifácio, de 87 anos, devido à idade, teve declarada a prescrição de um dos crimes. A outra acusação foi suspensa, porque a fundação que administrava aderiu a um parcelamento. O relator do caso é o ministro Celso de Mello.
A investigação aponta que a Fundação José Bonifácio Lafayette de Andrada foi autuada pela Receita Federal em 2007 pelo não recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos funcionários e sonegação de contribuições previdenciárias no período entre janeiro de 1997 e dezembro de 2007.
Interferência
O deputado era o administrador da fundação na época dos fatos. De acordo com a autuação, a instituição deixou de recolher R$ 5,6 mil das contribuições dos funcionários. Sonegou R$ 3,8 milhões das contribuições patronais.
Bonifácio foi denunciado em 2008 pelo então procurador-geral Antonio Fernando de Souza. Ele explica na denúncia que a Fundação teve a isenção previdenciária descaracterizada pelo Ministério da Previdência após a fiscalização da Receita porque se verificou terem sido feitos pagamentos em espécie para empresas inexistentes, com suas atividades encerradas ou inativas.
O deputado já respondeu a outros inquéritos no STF por acusações relativas a suas campanhas para deputado. Na última delas foi acusado de ter disponibilizado combustível para transporte de eleitores, mas o caso acabou arquivado por decisão do ministro Gilmar Mendes.
Moeda de troca
Líder do PSDB na Casa, Ricardo Trípoli (SP) afirmara que o partido estava dispensado da relatoria. Ele iria analisar o caso com seu departamento jurídico para, a partir daí se posicionar oficialmente. Poderia, assim, se manifestar no sentido de liberar os integrantes para votar da forma como quisessem.
O gesto iria repetir a orientação quando da primeira denúncia. A atitude foi vista como um aceno ao partido para reduzir os desgastes entre os parlamentares contrários e favoráveis a Temer. Mas com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a Aécio e a interferência do Planalto para livrar o senador, pedindo como moeda de troca aos tucanos maior apoio na votação da denúncia contra Temer, a situação ficou tensa.
Prerrogativa
Trípoli comentou, de forma reservada, entre os principais caciques da legenda que se sentia traído, devido ao pedido feito anteriormente aos colegas. E afirmou que houve uma articulação em separado, por alguns parlamentares do PSDB, com o restante da base do governo. E esta conversa foi feita longe dele.
— Traíram um acordo — reclamou. Havia o acerto prévio entre a bancada de que ninguém, mesmo que fosse convidado, aceitaria a relatoria.
A primeira iniciativa do líder do partido na Câmara foi de tentar retirar o deputado Bonifácio de Andrada da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Com a retirada, que é prerrogativa do líder partidário, Andrada ficaria de imediato fora do caso. Trípoli, porém, foi convencido de que o gesto poderia provocar um confronto ainda maior; por isso recuou.
Negociações
Preocupados com a situação e diante do ambiente tenso, deputados e senadores tucanos tentaram convencer o próprio Bonifácio de Andrada a desistir da relatoria. Não obtiveram êxito. O entendimento de todos é de que a escolha alterou o encaminhamento da negociação em curso entre PSDB e o Planalto.
Amigo pessoal de Temer e de Aécio Neves, advogado constitucionalista e um parlamentar mais engajado com a direita do que com o centro, Andrada votou pela rejeição da primeira denúncia contra o peemedebista e já deixou claro seu posicionamento. Não há dúvidas entre os colegas de que o seu parecer será favorável à blindagem de Temer.
Mesmo antes de ser indicado à relatoria, declarou que não considera um problema o fato de o líder do ‘quadrilhão’, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República, manter encontros secretos com o empresário Joesley Batista, no porão do Palácio do Jaburu. E sustenta desde o início que “Temer foi gravado de forma imoral”.
Andrada também é favorável à anulação de todas as denúncias contidas nas delações premiadas dos irmãos Batista. Argumenta que as provas, a seu ver, “foram falhas desde o início”.
Bastidores
Entre os tucanos, apenas a reclamação de Trípoli chegou a público. Externamente, o silêncio pesa. Mas, entre os deputados tucanos, nos bastidores, a tensão é crescente e tende ao clímax na reunião da bancada, na próxima terça-feira. Para aliados do governo, a escolha foi técnica e acertada. Para os oposicionistas, tudo não passou de uma manobra.
— Está claro o jogo de cartas marcadas. Bonifácio de Andrada vai livrar Temer e o Planalto vai ajudar o Senado a livrar Aécio — disse o deputado Chico Alencar (PSol-RJ).
Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), a realidade é ainda mais grave.
— Estamos vendo de novo o esquema de manipulações e manobras espúrias nesta Casa. Mas vamos trabalhar firme para que a denúncia seja acolhida — destacou.
Há a previsão de que o relatório de Andrada será votado até dia 25 de Outubro. Desta vez, haverá a apresentação da defesa parceiros de Temer, o que deverá estender o prazo. Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) foram citados no processo.