E se as eleições de outubro serão mera formalidade? E se o Golpe já houve? Apoiado pelas armas dos milicianos e pelas "orações" dos evangélicos, Bolsonaro só espera a hora de decretar estado de sítio, prender quem não gostar e continuar desgovernando o Brasil, até passar o comando para seu filho Flávio em 2026. Não está escrito na Bíblia mas é como se estivesse. Depois de votarem a PEC da Compra de Votos, ministro da Defesa propõe votação dupla, com urna para voto impresso ao lado da urna eletrônica. Não é piada, faz parte do Golpe.
Por Rui Martins
A esquerda deu bobeira, Bolsonaro já deu o Golpe!
Foi lendo a última entrevista ao Estadão de Flávio, o primogênito de Bolsonaro, e seu futuro sucessor em 2026, que me caíram as escamas dos olhos, como contaria o evangelista Matheus, se vivesse agora por aqui! Tenho sido ou fui mesmo o precursor ao detalhar como será o golpe de Bolsonaro em outubro, mas dei bobeira. O Arthur Lira, o próprio Bolsonaro, o Silas Malafaia e seus acólitos, todos deveriam ter rido de mim, se me lessem!
Por quê? Ora, porque o chamado golpe já houve, sem barulho, sem prisões, sem tropas nas ruas, sem se tocar o ouvirumdum Ipiranga, sem alarde, sem manchete nos jornais, no Uol, nem na Globo e na Jovem Pan. Com jeito, sem forçar, sem grito, sem sangue, numa boa… Mas em que dia que foi? Ou vai ser como o outro golpe, o de 1964, sem data precisa: 31 de março ou no Dia da Mentira, primeiro de abril?
Ah, não houve uma data especial, podemos categorizá-lo como um golpe progressivo ou um tanto pior que isso – um golpe quase consentido. E isso me faz lembrar um poema, atribuído erroneamente a Maiakówki, mas na verdade composto por um poeta brasileiro, Eduardo Alves da Costa, em 1968, contra a ditadura militar. Nosso poeta contribuiu para isso, sem querer, ao dar ao seu poema o título de “No Caminho com Maiakóvski”. O colega Luciano Martins Costa, publicou aqui no OI, em 2012, o que parece ter sido a primeira retificação na imprensa.
O que diz o poema de Eduardo Alves da Costa? Talvez valha a pena lembrar, colocando sua íntegra no rodapé deste artigo, visto espelhar bem a atual realidade política; ou seja, o poema conta que diante da nossa falta de reação, diante das primeiras agressões feitas, os inimigos invadem nossa casa e nos deixam sem voz e, ao fim, não podemos nem mais gritar e nem reagir e nem nos proteger.
Bolsonaro começou negando a importância do coronavírus; a seguir, negou a necessidade da vacina e ofereceu um paliativo ineficaz, a cloroquina. Houve a tentativa frustrada de se provocar um impeachment, criou-se uma CPI cujas conclusões foram ignoradas e agora já estão esquecidas.
A seguir, cortes em direitos sociais e trabalhistas, falta de políticas claras de geração de emprego e renda, fim de programas antes considerados prioritários, assim como fim das estatais e privatizações. Já no seu começo de governo começam as queimadas, aumentando a cada ano o desmatamento da região amazônica.
Paralela ao desmatamento, vem a política consentida de extermínio dos indígenas e o descontrole da Funai, com o objetivo de facilitar a invasão das terras antes protegidas, favorecendo garimpeiros, contrabandistas, atividades de pesca e caça ilegais. O resultado foi o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, considerados culpados e irresponsáveis pelo presidente Bolsonaro.
O desmatamento intensivo e acelerado da Floresta Amazônica tem o objetivo de satisfazer aos grupos agropecuários, produtores de cereais e de carne principalmente para a exportação, mais lucrativa, sem levar em conta restrições ou proteções contra certos tipos de pesticidas prejudiciais ao consumo humano.
Enquanto mudava a política de proteção aos indígenas, Bolsonaro destruía por sua vez a Fundação Palmares e, na sequência, deixava queimar a Cinemateca Nacional e liquidava a Ancine. Na verdade, apesar da aparente desorganização dos ataques, o governo leva a cabo um projeto bem estruturado de destruição gradativa do país, para implantar uma outra organização privatizada, talvez inspirada no sistema norte-americano.
Sorrateiramente, foram sendo mudados os nomes de escolas, hospitais, estradas e mesmo de navios que pudessem lembrar antigos benfeitores do país. Escancaradamente, foram sendo mudadas as leis relativas à compra e posse de armas, não só com o objetivo de favorecer os grupos norte-americanos fabricantes de armas, como para ter à disposição civis armados e treinados em clubes de tiros, para garantir a permanência de Bolsonaro no poder.
Ao mesmo tempo, para garantir sua retaguarda, o governo Bolsonaro aumentou os salários dos policiais e militares e favoreceu a isenção de impostos para as igrejas e atividades por elas desenvolvidas. De um lado, prepara o apoio armado, no caso de reação ao seu projeto de permanência no poder, e do outro procura obter o apoio dos líderes religiosos que manejam e conduzem a manada dos fiéis religiosos, evangélicos na maioria.
O maior escândalo do fim do atual mandato de Bolsonaro é a emenda constitucional que, a pretexto de um auxílio de emergência, permite descaradamente a compra de votos dos eleitores mais pobres e menos informados. Entretanto, isso não significa um compromisso do presidente no sentido de respeitar o resultado das votações. Tudo isso não passa de uma cortina de fumaça para evitar uma derrota maior, pois como todas as entrevistas concedidas mostram, inclusive a de Flávio Bolsonaro com o Estadão, será sempre utilizado o argumento de que o voto eletrônico não é confiável. E como as eleições serão eletrônicas, ninguém precisa ser mago para prever, elas não serão validadas pelo atual governo. E a novidade agora, é a proposta do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira de se votar em duas urnas, a eletrônica e a de cédulas em papel para contagem manual. Vale qualquer coisa para se manter Bolsonaro no poder, até a bagunça eleitoral.
A palavra pressentimento voltou à atualidade desde o telefonema de Bolsonaro ao seu ex-ministro Milton Ribeiro. Um pressentimento entre aspas, porque na verdade era um aviso real de busca e prisão. Assim, na verdade, meu pressentimento é de que Lula, Ciro e os outros estão se cansando à toa. O golpe já houve e será validado logo após a publicação dos resultados das eleições de 2 de outubro, que serão rapidamente anulados e, no caso de agitação nas ruas, reprimidos com decretação do estado de sítio.
Como no poema “No caminho com Maiakóvskii” nesta altura já é tarde demais para reagir. Agora, não se trata mais de se fazer campanha para ganhar as eleições, mas de se garantir o respeito ao resultado das eleições. A coisa é séria. Tenho maus pressentimentos, mas ainda é tempo para se preparar a Resistência!. Compartilhem este último parágrafo!
“No Caminho com Maiakóvski”, de Eduardo Alves da Costa:
“Na primeira noite eles se aproximame roubam uma flordo nosso jardim.E não dizemos nada.Na segunda noite, já não se escondem:pisam as flores,matam nosso cão,e não dizemos nada.Até que um dia,o mais frágil delesentra sozinho em nossa casa,rouba-nos a luz, e,conhecendo nosso medo,arranca-nos a voz da garganta.E já não podemos dizer nada.”Rui Martinsé jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.Direto da Redaçãoé um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalistaRui Martins.