“Não precisa de muito esforço intelectual para mostrar a existência de racismo por estas terras”, basta “questionar a abordagem feita pela Polícia Militar nas ruas das cidades”. Negar isso é, no mínimo, desonestidade intelectual, ou reacionarismo mesmo.
Por Marcos Aurélio Ruy – de Brasília
Para não perder muito tempo com o artigo do antropólogo Antonio Risério, na Folha de S.Paulo, basta constatar que o jornal paulistano inicia sua campanha contra as cotas raciais, instituídas em 2012 e que serão revistas neste ano, como mostra o jornalista João Filho, do Intercept Brasil.Movimento negro
A sindicalista reforça a necessidade de atuação do movimento negro junto com os movimentos sociais progressistas e o movimento sindical para “denunciar essa tentativa de tolher o verdadeiro debate sobre a luta antirracista, que avança no Brasil”. Mesmo contra a vontade dos setores mais atrasados da elite econômica do país. Ela lembra do conceito de “democracia racial”, surgido no fim do segundo Império e sistematizado no livro Casa Grande & Senzala (1933), do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987). Esse conceito tentou negar a existência de racismo no Brasil, rechaçado pelo historiador Clóvis Moura (1925-2003). Para Moura, essa foi uma maneira de negar as lutas dos seres humanos escravizados por quase quatro séculos para dar base à elite brasileira de como justificar a marginalização das negras e negros no país em toda a sua história e de trata a maioria da população como não-gente. “Com a montagem do antigo sistema colonial e a expansão das metrópoles colonizadoras, esse racismo se desenvolveu como arma justificadora da invasão e do domínio das áreas consideradas ‘bárbaras’, ‘inferiores’, ‘selvagens’ que, por isso mesmo, seriam beneficiadas com a ocupação de seus territórios e a destruição de suas populações pelas nações ‘civilizadas’”, acentua Moura. Já o pensador Sílvio Almeida, realça a necessidade de valorizar o bom debate sobre essa questão crucial para reforçar a identidade nacional, inclusive. “Particularmente, não vou gastar meu tempo e nem minha coluna para lidar com esse tipo de gangsterismo intelectual”.Polêmicas sérias sobre racismo
Segundo ele, “há polêmicas sérias sobre racismo, há uma situação geopolítica que demanda nossa atenção; há uma disputa sobre a identidade nacional que vai se intensificar com o bicentenário da Independência, os 100 anos da Semana de Arte Moderna; pandemia, Copa do Mundo e eleições cruciais para o destino do país” porque “muitos livros básicos desmentem tudo o que estes articulistas têm escrito, de tal sorte que com eles não se deve gastar energia que possamos compartilhar, divulgar e comentar textos de gente realmente disposta a pensar”. Ademais, “negar a existência de racismo no país trata-se de negar a própria nação brasileira, a sua formação e a sua história”, destaca Lucimara. “Não precisa de muito esforço intelectual para mostrar a existência de racismo por estas terras”, basta “questionar a abordagem feita pela Polícia Militar nas ruas das cidades”. Negar isso é, no mínimo, desonestidade intelectual, ou reacionarismo mesmo. Contra a tese furada de “racismo reverso”, ela reforça que “o racismo pressupõe uma superestrutura” porque “os negros não possuem esse espaço hegemônico em nossa sociedade, não podemos, desse modo produzir racismo, no máximo pode haver discriminação entre indivíduos” e, mesmo assim “o indivíduo branco estará em vantagem por ser parte do arcabouço hegemônico produtor de racismo e desfrutar dos privilégios que a branquitude lhe proporciona”. Reconhecer esses privilégios significa o começo para entrar na luta antirracista para valer. Como bem define o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), “a democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça”. Por isso, debater racismo sem leviandade é fundamental para a classe trabalhadora.Marcos Aurélio Ruy, é jornalista.
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