O número de 312 cidades com atos neste sábado, segundo a Central de Movimentos Populares (CMP), um dos organizadores, foi menor do que o do protesto anterior, quando houve protestos em mais de 400 municípios. Mas as manifestações foram significativas em diversas capitais.
Por Redação, com DW - de Brasília e São Paulo
Adversários do governo Jair Bolsonaro realizaram, na véspera, uma série de atos em cidades de todas as unidades da federação, dando sequência à série de protestos antigoverno iniciada em 29 de maio e ampliada em 19 de junho. Como novidade, houve a inclusão do tema da corrupção, com alusões aos escândalos sobre compra de vacinas, e a adesão de parte de setores da centro-direita e direita.
O número de 312 cidades com atos neste sábado, segundo a Central de Movimentos Populares (CMP), um dos organizadores, foi menor do que o do protesto anterior, quando houve protestos em mais de 400 municípios. Mas as manifestações foram significativas em diversas capitais e na Avenida Paulista, principal termômetro do país, onde ocupou nove quarteirões.
Cartazes e discursos vinculando Bolsonaro a acusações de corrupção apareceram com frequência, marcando uma diferença em relação aos protestos anteriores, que foram centrados na falta de vacinas e nas mortes provocadas pela má gestão da pandemia. O novo tom foi resumido no mote "Não era só negacionismo, é também corrupção", registrado em diversas placas erguidas por manifestantes.
Propina
A pauta anticorrupção estruturou os movimentos que levaram ao golpe de Estado que culminou no impedimento da presidenta deposta Dilma Rousseff (PT) e é central para parte do eleitorado que votou em Bolsonaro, hoje insatisfeito com o governo. Neste sábado, o tema estava vinculado ao escândalo da compra da vacina indiana Covaxin, que envolve Bolsonaro e o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e ao suposto pedido de propina de US$ 1 por dose em uma oferta suspeita de venda de doses da AstraZeneca, ambos explorados pela CPI da Pandemia.
Em algumas cidades, manifestantes mostravam cédulas falsas de 1 dólar manchadas de sangue. Na Avenida Paulista, havia figuras de Bolsonaro e Barros vestidos de presidiários segurando sacos de dinheiro. Em Belo Horizonte, um grande boneco inflável representava o presidente vestido de preto com uma foice e segurando uma caixa de "cloropina" – referência híbrida a propina e cloroquina.
Verde e amarelo
Outra tendência nos atos deste sábado foi o maior uso da bandeira do Brasil e das cores verde e amarela, que haviam sido fartamente utilizadas pelos movimentos de centro-direita e direita durante os atos contra Dilma e depois foram apropriadas por Bolsonaro. O deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) foi um dos que optaram por usar verde e amarelo.
— Essas cores representam alegria e união do povo. Essas cores não podem e nunca vão representar a divisão do país que esse governo genocida está fazendo — disse Freixo.
Os protestos foram convocados majoritariamente por forças e partidos de centro-esquerda e esquerda, mas houve a participação de setores da centro-direita e direita, notada especialmente em São Paulo, onde o PSDB paulistano levou militantes e faixas da legenda à Avenida Paulista.
Arrependidos
O Livres, movimento liberal que integrava o PSL antes da filiação de Bolsonaro à legenda, também participou do ato. O deputado Júnio Bozzella (PSL-SP), ex-aliado do presidente, incentivou a ida à manifestação. O cantor Lobão, entusiasta das manifestações contra Dilma e da eleição de Bolsonaro, também apoiou e divulgou as imagens do protesto.
A participação da centro-direita e da direita nas ruas, porém, segue restrita. O Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua (VPR), que lideraram os atos contra a Dilma e defendem o impeachment de Bolsonaro, decidiram não participar da manifestação, que também não recebeu apoio de lideranças nacionais de partidos desse espectro.
A presença do PSDB no ato de São Paulo tampouco foi livre de atritos. Um membro do partido de extrema esquerda PCO tentou agredir os tucanos, e foi contido por outros militantes de esquerda. Membros do PCO também queimaram bandeiras tucanas, e o diretório nacional do PSDB – que não participou dos atos – postou uma foto das bandeiras em chamas no Twitter com a mensagem "O 'diálogo' da esquerda!’".
Pandemia
Como nas outras duas manifestações, houve homenagens a vítimas da covid-19 e cartazes lembrando parentes e conhecidos mortos pela doença. "Cadê a vovó?", estampava o cartaz segurado por uma criança com o pai. "Bolsonaro: Meu marido fez seu tratamento precoce quando precisava de vacina e agora está morto!", exibia uma mulher. Em João Pessoa, dezenas ergueram fotos de pessoas que morreram na pandemia, enquanto um manifestante no carro do som lia o nome de cada vítima.
Houve atos também em 35 cidades do exterior de 16 países, segundo a CMP, como em Berlim, Colônia, Hamburgo e Freiburg, na Alemanha, Londres, Bruxelas, Barcelona e Los Angeles.
Qual é o impacto para Bolsonaro?
Um dos objetivos dos organizadores dos atos contra o governo é pressionar parlamentares a abrirem um processo por crime de responsabilidade do presidente, fortalecido por um "superpedido" de impeachment protocolado por diversos partidos e movimentos na quarta.
As condições para a abertura de um processo do tipo estão distantes no momento. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que não analisará as denúncias antes do fim da CPI da Pandemia, e há apenas cerca de 100 deputados federais abertamente favoráveis ao impeachment – são necessários 342. Além disso, Bolsonaro estruturou uma aliança pragmática com o Centrão, grupo de partidos que apoia o governo em troca de cargos ou verbas do Orçamento.
Apoio tóxico
A presença de manifestantes nas ruas, porém, pode fazer com que alguns deputados reconsiderem o apoio ao governo se avaliaram que seguir do lado de Bolsonaro causará prejuízos eleitorais, diz a cientista política Simone Viscarra, professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
— Conforme aumenta o número de pessoas participando dos atos, os políticos locais e estaduais vão ver e pensar: 'Olha, a adesão foi grande, melhor não me aproximar dessa pessoa'. E isso pode vir a afetar os apoios municipais e estaduais ao governo. Se o eleitor está insatisfeito, os políticos tendem a se mover de maneira a manter seu eleitorado — afirmou.
Viscarra pondera não haver certeza se as manifestações seguirão crescendo em número de apoiadores, e diz que o fato de as eleições ocorrem apenas no ano que vem pode dar a Bolsonaro o tempo necessário para que ele recupere parte do apoio que perdeu nos últimos meses, a depender de suas políticas e da economia.