Depois de rápida pesquisa, concluo que um vilão do escracho como Bolsonaro, na literatura, tão baixo o malfeitor é, tão mínimo raso, deverá ser encontrado em outro drama ainda não escrito. O chão na carne do presidente é uma coisa tão rasteira, que a qualquer momento ele confundirá vacina com vagina, em declarações no Palácio.
Por Urariano Mota – de São Paulo
Neste dia do nascimento e morte de Wiliam Shakespeare, pensei em relacionar o antipresidente do Brasil a uma peça do genial dramaturgo. Mas recuei e mudei. Por mais vilões que se encontrem em Shakespeare, todos eles estão em uma altura admirável, digamos, porque continuam a ser vilões, mas altos. Mesmo na tragédia política Ricardo III, o protagonista crápula que à custa de homicídios, traições e mentiras se torna rei, o vilão Ricardo é um canalha que ainda assim ama e atinge máximos de desespero. Ele é capaz de frases como no monólogo:Os escravos fugidos
“Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde.” É impossível compará-los ao vírus no poder em Brasília. Esses vilões literários possuíam, apesar de tudo, uma desculpa moral ou um arrependimento tardio. O baixo nível do presidente talvez pudesse ir a outro lugar. Mas nem mesmo o encontro em Misto-Quente de Bukovski, onde a terra inteira não era nada além de bocas e cus engolindo, cagando e fodendo. Depois de rápida pesquisa, concluo que um vilão do escracho como Bolsonaro, na literatura, tão baixo o malfeitor é, tão mínimo raso, deverá ser encontrado em outro drama ainda não escrito. O chão na carne do presidente é uma coisa tão rasteira, que a qualquer momento ele confundirá vacina com vagina, em declarações no Palácio. Por que não? Para ele, vacina e vagina são igualmente execráveis. Enfim, “meu reino por um cavalo” falava Ricardo III na peça de Shakespeare. “Meu rei por um cavalo”, fala Bolsonaro em jogada que é o próprio cheque-mate. O centrão contente aceita. Com o devido perdão a Shakespeare neste dia. Mas não sei se alcançarei a sua graça.Urariano Mota, é Jornalista do Recife. Autor dos romances Soledad no Recife, O filho renegado de Deus e A mais longa duração da juventude.
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